GAZETA DO POVO - PR - 23/09
Excesso de interferência estatal espanta gigantes do petróleo no leilão do campo de Libra, repetindo o erro cometido no caso da concessão dos aeroportos
A adesão baixa ao leilão do campo de Libra, o primeiro do pré-sal a ser disputado e o que tem as maiores reservas, frustrou a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Das 40 empresas habilitadas na ANP, só 11 se inscreveram. As britânicas BG e BP, bem como as norte-americanas Exxon e Chevron, nem chegaram a pagar a taxa que daria direito a fazer lances no leilão. É mais que justo perguntar por que algumas das maiores companhias do mundo abririam mão do maior campo do pré-sal brasileiro.
Parte da resposta foi dada pelo consultor Paulo Roberto Costa, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo. Ele recordou o fato de a legislação atual colocar a Petrobras como operadora única do pré-sal, em regime de partilha (e não de concessão, como era até 2010), com direito a 30% da operação. O peso excessivo da estatal brasileira, segundo Costa, teria afugentado alguns gigantes do setor petrolífero. Em outras palavras, a fome do governo federal pode ter prejudicado o leilão de Libra – que ainda contará com outras grandes empresas do ramo, como a Shell, mas poderia atrair uma disputa ainda maior, com melhores resultados para o governo.
E há um precedente importante com o qual o governo deveria ter aprendido, o dos aeroportos. Há muito se sabe que a infraestrutura aeroportuária nacional está em frangalhos. O governo acordou tardiamente para essa realidade (para isso, precisou de um caos aéreo em 2007, e mesmo assim a resposta demorou) e promoveu uma rodada de concessões com três aeroportos: Viracopos (em Campinas-SP), Brasília e Guarulhos, em fevereiro de 2012. As regras não premiavam simplesmente quem oferecesse o melhor lance – um mesmo consórcio, por exemplo, estava proibido de arrematar dois aeroportos, ainda que fizesse a melhor oferta por ambos; o resultado final seria composto pelos lances que formassem o conjunto mais lucrativo para a União. Além disso, a Infraero teria participação de 49% nos consórcios vencedores.
As regras espantaram as empresas que operam grandes aeroportos na Europa e nos Estados Unidos. Como resultado, o aeroporto de Brasília tem como sócio um grupo argentino conhecido por descumprir obrigações contratuais na Argentina; o aeroporto de Campinas será administrado por uma operadora francesa com experiência na África, no Chipre e na Polinésia Francesa; e o maior aeroporto do país, Guarulhos, ficou nas mãos de uma empresa sul-africana. Uma nova rodada de concessões prevista para este ano (o edital está previsto ainda para setembro), desta vez envolvendo Confins, em Belo Horizonte, e Galeão, no Rio de Janeiro. Para impedir a participação de aventureiros, o governo planejava restringir a competição a operadoras com experiência em aeroportos com movimentação mínima de 35 milhões de passageiros ao ano (apenas cerca de 30 aeroportos no mundo atingem esse patamar), mas o Tribunal de Contas da União achou o valor grande demais por deixar de fora operadores de aeroportos importantes, como Tóquio e Zurique. Independentemente do novo número, permanecerá a exigência de participação de 49% da Infraero nos grupos vencedores, um dos fatores que desanimou os grandes operadores aeroportuários do mundo.
Há de reconhecer um avanço no governo petista: apesar do discurso estatólatra inflamado, parece ter finalmente percebido que o Estado não é capaz de exercer certas atividades tão bem quanto a iniciativa privada. No entanto, dez anos depois de sua chegada ao poder, o PT ainda não encontrou um modelo que seja bom o suficiente para atrair as melhores empresas de cada setor. O ranço ideológico impede o Estado de “largar o osso” completamente, daí o grau de interferência estatal no caso do leilão de Libra (que ainda é maior devido à existência de uma empresa só para administrar o pré-sal), ou a enorme participação da Infraero nos consórcios responsáveis pelos aeroportos licitados. Na ânsia de manter seu controle sobre essas atividades, o governo atrapalha a concorrência e, no fim, prejudica o cidadão, que espera produtos e serviços de qualidade a preços justos.
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