FOLHA DE SP - 03/09
País corre atabalhoado atrás de polêmicas sucessivas e sem fim; povo não trata de economia
AS NOTÍCIAS e a atenção dos "formadores de opinião", de todos nós opinionados ou comentaristas de redes sociais, lembram o futebol das crianças pequenas. Um aglomerado tumultuoso e barulhento de perninhas segue a bola a esmo pelo campo, sem muito sentido ou "consciência tática".
O "gigante acordou" para o curto inverno da utopia caseira de Junho. De lá para cá, tantas polêmicas terminais não terminaram nem renderam. O despertar do gigante levou filósofos de várias disciplinas a rejubilar-se com "movimentos horizontais", fim das hierarquias, "devir das personalidades", coletivos, democracia direta e reinvenção da política --quase revolução.
Reafirmaram-se também teses da inovadora sociologia da "nova classe média", como aquela que atribui as manifestações a uma mudança de fase na evolução dos desejos.
Depois que passa a ganhar certa renda "de classe média", a pessoa sofre uma mutação que a leva a reivindicar "serviços públicos de qualidade", diz a tese. Antes, o cidadão seria um mero "ser-para-comer" (ou "para-comprar"), sem ambições avançadas da vida tais como tomar um ônibus decente ou não esperar por seis meses um exame para o filho doente. Mas passemos, pois o assunto não é sociologia evolutiva.
Da reinvenção da política, nossos desejos e debates desceram a um nível mais modesto, mas não menos apaixonado, para o buraco da reforma política, que, enfim, não passava de má reforma eleitoral e, antes de ser esquecida, tornara-se apenas chicana politiqueira.
Depois de um breve interregno dominado por debates sobre a Mídia Ninja, os Black Blocs (Falsos anarquistas? Embrião fascista?) e os pelos pubianos de uma moça da "Playboy" (Excessivos? Falsos?), nos entregamos à polêmica furiosa sobre mais ou menos médicos, se cubanos ou outros.
Jamais se tratou de um debate sobre política de saúde, pois o governo não tem uma nem nós nos dedicamos a reivindicar que tivesse, na maior parte dos casos adeptos que somos da algazarra populista, governista, racista, demófoba ou seja lá o gosto do freguês. A mania talvez em breve também passe.
O dólar chegou a deixar os nativos inquietos. Dólar caro nos empobrece de pronto e cutuca a memória de crises operísticas. Como trovejou, mas não choveu, como o dólar não pareceu liderar uma tropa de cavalinhos do apocalipse, essa poeira por ora também assentou.
Nem tudo se desmanchou no ar. A conversa sobre "mobilidade urbana" reservou um pouco mais do chão das ruas para ônibus em São Paulo. Sérgio Cabral foi ao chão. Da costela quebrada pelo tombo de Dilma nas pesquisas renasceu Marina Silva e nasceu o amor entre Aécio Neves e Eduardo Campos.
Passemos outra vez, pois este também não é um balanço de Junho. De resto, 7 de Setembro está aí, com muitas câmeras para televisionar um novo ataque de insônia, ou quiçá consciência, do "gigante".
Curioso nessa agitação incessante é que a economia mal faz parte do tumulto. A carestia da comida temperou, de leve, a ira de Junho. Mas a sucessão de polêmicas sobre o país ou o governo não parece ter sido resultado de nenhum grande mal-estar econômico. A elite da elite está furiosa com a economia deste governo. A povo do povo, não.
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