O GLOBO - 03/08
No meu tempo, criança não tinha mau humor, que era coisa de adulto
Com certeza por ciúmes do irmãozinho Eric, mas também provavelmente por influência dos protestos de rua, minha neta Alice, a dois meses de completar 4 anos, tem estado muito rebelde — malcriada, desobediente, respondona. Respeito que, é bom, nada, pelo menos em relação a mim. Faz caretas com a língua de fora — “brruuuu” — e só falta me vaiar. Acho que tudo piorou depois que o Papa, fazendo apologia da contestação, anunciou que “um jovem que não protesta não me agrada”. Ela deve ter visto na TV e resolveu seguir o evangelho segundo Francisco. Ainda ontem, brincando com ela de massinha de modelar, confundi a figura de um cachorro com a de um cavalo, uma confusão que eu julgava natural na minha idade. Pra quê? “Você só faz bobagem”, ela me recriminou e eu fiquei tentando me lembrar se algum dia ousei falar assim com meu avô. Quando tento uma gracinha, em vez de provocar risos, recebo gozação: “Vovô Zu é bobo!” “Tive uma ótima ideia”, ela diz e, diante de minha curiosidade para saber qual era, exibe seu preconceito feminista: “Não adianta, homem não sabe nada.” Essa impaciência se manifesta também toda vez que não consigo aprender a lidar com o Ipad, que ela domina.
No meu tempo, criança não tinha mau humor, que era coisa de adulto. Já Alice tem acordado mal-humorada, ou porque não dormiu bem ou por motivos não revelados. “Estou irritada e hoje não quero conversa com ninguém”, limita-se a responder. A única maneira que descobri para romper esse gelo não é recomendada, porque se trata de suborno. Como, além de gênio, ela é interesseira, apelo: “Pena você não querer conversa porque tinha um presente-surpresa pra você.” Ela vem correndo e eu dou escondido o biscoito de chocolate que ela adora e que o pai proíbe fora de hora. Uma amiga politicamente correta se escandalizou: “Isso é corrupção!”, me recriminou, e eu a provoquei: “Estou preparando ela para a vida lá fora.” Enfim, já vejo o dia em que, repetindo o ronco das ruas, minha neta vai chegar exibindo para mim o cartaz: “Você não me representa.” Aí eu chamo a polícia.
Preocupada com esse estado de ânimo de Alice, Mary resolveu recorrer à sua amiga Lucia, que a tranquilizou, informando que Lucinda, um ano mais velha, também passou por essa fase. Aliás, continua. É a chamada fase “monstro”. Se não se percebe isso nas crônicas-exaltação do Verissimo abordando o tema, é que esse deslumbramento irrestrito parece que é comum nos avôs de idade mais avançada.
Tenho muito medo de chegar lá assim.
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