ZERO HORA - 19/08
Aprender a respeitar a liberdade do outro é também parte integrante da educação para a democracia. O Brasil precisa encontrar o ponto de equilíbrio entre essas prerrogativas.
A democracia é um sistema de direitos que se apoiam e se reforçam mutuamente, apoiados na ideia de soberania e de governo do povo e pelo povo. Sempre que o exercício de um direito por parte de um ou mais agentes políticos ameaça a capacidade de outrem de usufruir, por sua vez, de seus próprios direitos, estará abalado o edifício democrático. Esse princípio aplica-se a todas as esferas da vida social, ainda que a lei estabeleça desde logo uma hierarquia entre capacidades _ no caso do Brasil, reconhecendo na própria Carta Magna a existência de direitos ou garantias fundamentais, sem os quais não se pode com efeito falar de Estado de direito. O simples reconhecimento dessa complexa estrutura é, por sua vez, o primeiro dever estabelecido pelo arcabouço democrático, decorrendo dele inúmeros outros, consideradas posição, ocupação, responsabilidade pública e demais aspectos definidores da condição social. Aqueles que, em determinados momentos, quiseram arruinar a construção democrática começaram por solapar uma ou mais dessas normas, criando situações a partir das quais tende a se impor a lei da selva ou do mais forte. É por evitar esse tipo de desdobramento que a democracia moderna, disseminada tardiamente entre as nações, tem sido capaz de sobreviver por tanto tempo. Não há antídoto mais poderoso ou eficaz contra as aspirações de autocratas de todos os matizes.
Neste momento, em nosso país, tem sido recorrente o conflito entre dois direitos: o de ir e vir e o de livre manifestação. Por muito tempo, o país não convivia com uma gama tão diversa de protestos de rua motivados pelas mais distintas razões e que, ao se realizar em metrópoles por si só engarrafadas e caóticas, acabam por obstruir vias públicas ou restringir a circulação e o trânsito. Desde que se iniciou a atual onda de protestos, em junho deste ano, as grandes cidades brasileiras, onde vive a maioria da população e que constituem os pulmões socioeconômicos do país, tornaram-se ainda menos amigáveis do que de costume. Por qualquer motivo, grupos muitas vezes reduzidos provocam a paralisação de vias ou regiões inteiras, como tem acontecido diariamente em São Paulo e no Rio. Não se pretende que, num momento tão sensível da vida nacional, quando uma nova geração abandona a hipnose virtual e se lança ao espaço público num multifacetado processo de tomada de consciência da cidadania, o Estado deva impor restrições abusivas a esse despertar. “A praça é do povo como o céu é do condor”, dizia um poeta baiano, e qualquer tentativa de negar esse aforismo equivalerá à mal disfarçada imposição de um toque de recolher. Devem as autoridades, porém, zelar igualmente pela imensa massa de cidadãos que não participa dos protestos, seja por ter outras obrigações, seja por diferença de ponto de vista. Aprender a respeitar a liberdade do outro é também parte integrante da educação para a democracia. O Brasil precisa encontrar o ponto de equilíbrio entre essas prerrogativas.
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