O ESTADÃO - 27/06
As manifestações que tomaram conta do Brasil nas últimas semanas derreteram a agenda política nacional, até então dominada pela prematuríssima campanha eleitoral, com três ou quatro candidatos já definidos. Sejam quais forem suas origens, seus mecanismos de propagação, virtudes, defeitos e consequências, o fato é que as mobilizações já produziram na vida brasileira um daqueles momentos em que "o futuro não será mais como era", para evocar Paul Valery.
Neste momento, partidos e governos, nas três esferas, sentem-se acuados, mas o foco principal de tensões situa-se no Palácio do Planalto, o grande responsável, aos olhos da população (e é mesmo!), pela condução do País.
O governo federal já vivia uma situação difícil, em razão do esgotamento do modelo econômico lulista: rápido crescimento do consumo, baixo investimento, forte criação empregos menos qualificados e inflação baixa. Esse modelo foi viabilizado pela notável bonança externa, juntamente com o crescimento acelerado das importações, o aumento do crédito para o consumo e a sobrevalorização cambial. Foi a época da farra de divisas e da lei do menor esforço, com estatuto semelhante ao da lei da gravidade.
A eclosão das manifestações coincidiu com o fim desse ciclo e a estagflação. Elas podem não ser efeito direto das condições da economia, mas é evidente que eclodem numa dada realidade, e não no vácuo: desaceleração do consumo em razão do menor crescimento da renda, do endividamento familiar elevado e da maior inflação; desaceleração da criação de empregos menos qualificados e falta de perspectivas para os assalariados de maior renda.
Nada pior para um governo já sem rumo do que a ventania contrária das ruas. Daí a ansiedade, a atrapalhação e a exacerbação do marketing das soluções virtuais. O emblema do desatino foi a tal Constituinte com o fim específico de fazer a reforma política. A proposta, tida como irrevogável, era de tal sorte absurda que foi revogada em 24 horas. Ficou a pergunta: como pôde a Presidência da República errar de forma tão bisonha? Agora, a fim de disfarçar o recuo, trocou-se a Constituinte exclusiva pelo plebiscito, proposta impraticável.
Além do "pacto" da reforma política, a presidente propôs o pacto da educação: 100% dos royalties do petróleo para o setor. Resumir os problemas da educação à elevação do orçamento seria equivocado. Mesmo assim, os novos recursos vindos desses royalties serão bem menores do que se alardeia, pois a vinculação só vale para contratos de exploração firmados a partir de dezembro de 2002. E eles não gerarão petróleo antes de seis anos; dentro de uns dez o total destinado à educação poderia chegar a R$ 8,5 bilhões anuais - cerca de 3% do Orçamento da União, dos Estados e municípios.
Já o "pacto" da saúde consiste em importar uns 6 mil médicos estrangeiros - a quase totalidade, cubanos. Alguém é contra água encanada ou luz elétrica? Assim, quem se opõe a que o Brasil tenha mais médicos? O problema é como fazer. Eles estão é mal distribuídos, concentrados nas regiões do País com mais infraestrutura. É preciso criar condições para que atuem no interior - e pouco se faz nesse sentido. Nada contra, é evidente, a que profissionais de outros países atuem aqui, desde que seus diplomas sejam revalidados mediante exames, que o Ministério da Saúde quer dispensar. Nota: apenas 5% dos médicos cubanos que a eles se submeteram foram aprovados.
A má distribuição dos médicos é apenas um dos problemas da saúde. O PT reduziu de 53% para 44% a fatia dos gastos totais no setor, jogando mais peso nas costas de Estados e municípios. A Anvisa foi loteada, padrão Agnelo Queiroz; a Funasa, degradada. Durante a gestão petista, a participação das despesas correntes do Ministério da Saúde no SUS caiu de 17% para 14% do total do governo federal (excluídos o benefícios previdenciários). A rede hospitalar tem sido fragilizada, sufocando as Santas Casas. Se a proporção de recursos do SUS para o atendimento hospitalar fosse a herdada do governo FHC, hoje seriam destinados a essa área R$ 7,5 bilhões a mais por ano.
Outro "pacto" anunciado é o dos transportes urbanos: R$ 50 bilhões. A gente fica com a impressão de que são recursos a fundo perdido. Não! Viriam principalmente na forma de oferta de crédito a Estados e municípios. Além disso, matéria do Valor evidenciou que, dos recursos federais disponíveis para essa finalidade, 93% não foram ainda utilizados. Na prática, transportes urbanos nunca foram prioridade do governo petista. Do contrário, jamais teria lançado, há seis anos, o alucinado projeto do trem-bala entre São Paulo e Rio, cujo custo deve andar ali pelos R$ 70 bilhões. Por sorte, a incapacidade executiva do governo não permitiu que o projeto andasse depressa, mas já deve ter consumido cerca de R$ 1 bilhão, com direito à criação de mais uma estatal. Cancelar o trem-bala e concentrar os recursos em trens urbanos seria medida mais que oportuna quando se fala em pactos pelo Brasil.
O bom senso, aliás, recomendaria o barateamento do custo das eleições e maior proximidade entre eleitor e eleito, como a adoção do voto distrital. Se o Planalto quer diminuir a corrupção na máquina pública, não precisa de propostas mirabolantes. Que se exija certificação dos 25 mil cargos de confiança e dos altos funcionários de todas as empresas federais e se refaça com critérios técnicos todo o quadro de dirigentes de agências reguladoras. Mais ainda, que se regulamente com urgência o parágrafo 3.º do artigo 37 da Constituição federal, sobre a participação dos usuários na administração pública direta e indireta, com ênfase no controle da qualidade dos serviços.
Tais medidas, entre outras, seriam simples e eficazes. Mas no petismo o fácil é sempre difícil, pois eles são especialistas em obter vantagens com as dificuldades que criam, e têm a convicção de que os problemas do País se resolvem com marketing e anúncios solenes.
Um comentário:
Olhando para 2014, e fazendo uma analise superficial dos possíveis candidatos da oposição, o que chama atenção, é que mesmo se posicionando como um soldado valente, Aécio não se monstra a altura do anseio do povo.
Joaquim Barbosa, nome saído das ruas e aclamado, é o único antidoto para combater o maior dos males (o retorno de Lula), mas não parece estar familiarizado com o Brasil real e o Brasil que só existe na cabeça dele, mesmo sendo possuidor de uma versada e privilegiada cabeçorra.
Eduardo Campos é uma incógnita perigosa, e não se pode considerar oposição ao governo.
Marina é uma dissidente do PT, uma vez petista, sempre petista.
Entra em cena José Serra, ao meu ver, o mais preparado para governar. O verdadeiro anseio das ruas podem ver com outros olhos, caso resolva postular novamente a candidatura e quem sabe dessa vez sair vitorioso.
Sem querer ser intempestivo, mesmo ainda longe das eleições, é cedo para saber o que está reservado pra 2014. Mas não pode-se excluir Serra do jogo.
PS.Com todo respeito as mulheres que acessam seu Blog, e mais para homenageá-las que qualquer outra coisa que possa parecer ofensivo, prezado Murilo, não esqueça de enriquecer as matérias do Blog com as Gostosas. Todos sabem que faz um bem danado de bom.
PS. As tirinhas também são muito legais.
Abraço,
Rodrigo
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