FOLHA DE SP - 04/06
Aumentar juros para conter uma demanda já pífia é espancar a lógica; venceu a pressão do setor financeiro
Antes do feriadão, havia me programado para escrever sobre a burocracia que ainda assola o país e corrói a sua competitividade. Mas, na quarta-feira, duas notícias caíram como bomba.
Uma foi a variação do PIB no primeiro trimestre, de 0,6%, o que projeta crescimento de 2,2% neste ano, muito abaixo da expectativa.
A outra, um novo aumento na taxa básica de juros além das previsões do próprio mercado financeiro, que naturalmente gosta de juros altos --a Selic foi ajustada em 0,5 ponto percentual, para 8% ao ano.
Deixo o tema da burocracia para uma próxima coluna, porque entendo que não se pode espancar a lógica. Não é preciso ser economista para observar que as duas notícias acima espelham uma contradição.
Por que os bancos centrais aumentam as taxas de juros? Em português compreensível para civis mortais, pode-se dizer que o aumento dos juros se dá para reduzir a demanda da economia, ou seja, para que as pessoas moderem o consumo de bens e serviços. Assim, com a diminuição da demanda, tende a haver uma redução de preços e uma queda geral da inflação.
A lógica dos mortais levaria à conclusão de que, se os juros foram aumentados na última quarta-feira, estaria havendo no país uma elevada pressão de demanda, certo?
Errado. Em letras garrafais, esta Folha estampou, na última quinta-feira, a informação de que "o consumo, último motor a dar força à economia, rateia".
Depois de sustentar o crescimento do PIB no ano passado, o consumo das famílias cresceu apenas 0,1% no primeiro trimestre.
O modesto crescimento trimestral do PIB brasileiro foi gerado basicamente pela expansão dos investimentos, no valor de 4,6%, o que é uma boa notícia, e também da agricultura, de 9,7%.
Ora, se não há crescimento do consumo, é lógico concluir que a inflação --na faixa dos 6% ao ano-- não está sendo alimentada por esse consumo. E que não haveria necessidade de elevar os juros para conter uma demanda que já é pífia.
Além disso, são claros os sinais de que a pressão inflacionária, muito sustentada pelos preços dos alimentos no início do ano, está neste momento arrefecendo.
Vários índices já registraram inflação zero ou deflação no mês de maio. No primeiro quadrimestre, o Índice de Preços ao Produtor (IPP), pelo qual o IBGE mede a inflação de produtos na saída das fábricas em 23 setores, registrou uma variação negativa de 0,06%, resultado até então inédito. Em geral, pode-se dizer que os preços no atacado estão estáveis ou mesmo em queda, tendência que deve se refletir no varejo nas próximas semanas.
A lógica diz, portanto, que a decisão de elevar os juros não se deu em razão da pressão inflacionária, mas, sim, da pressão de setores financeiros, que vivem de juros, e não de atividades produtivas.
Prevaleceu a tese de que o ajuste seria necessário para recuperar a credibilidade da autoridade monetária, que estaria sendo leniente com a inflação. É uma pena que seja assim. A credibilidade da autoridade monetária nunca foi tão alta, porque vem se mostrando sensível, nos últimos anos, ao impacto de sua atuação na produção e no emprego. A alta dos juros tenderá a esfriar ainda mais a economia, com diminuição não só do consumo, mas também de investimentos produtivos.
Autoridades monetárias não podem ser lenientes com inflação. Mas precisam ter coerência.
O Brasil caminha na contramão das demais grandes economias, que adotam a flexibilização monetária para estimular a volta do crescimento. Como companheiros nessa viagem perigosa, o Brasil tem hoje Rússia, Argentina e Venezuela, países que ainda adotam taxas básicas de juros superiores à nossa.
Expliquem-se como quiserem os economistas de bancos e analistas do setor financeiro que defenderam a alta da Selic. Publiquem fórmulas, invoquem a necessidade de atuar sobre expectativas, mas nem a famosa velhinha de Taubaté vai acreditar que faz sentido elevar juros num momento conjuntural de PIB estagnado e de consumo e preços em queda.
Isso é brincar com fogo e flertar com a recessão. Se a recessão vier, trará indiscutíveis efeitos econômicos, sociais, políticos e, naturalmente, eleitorais.
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