REVISTA VEJA
Bancos existem desde a Antiguidade. Eles atuavam na Babilônia, na Grécia antiga e no decorrer do Império Romano. Na Idade Média, durante a Renascença italiana, bancos em Florença. Veneza e Gênova financiavam comerciantes e governos, neste caso para custear guerras. Muitos quebravam quando os reis não pagavam as dívidas.
Na forma atual, os bancos surgiram na Holanda e na Inglaterra entre os séculos XVI e XVII com a expansão do comércio derivada dos grandes descobrimentos e com as mudanças institucionais da Revolução Gloriosa (1688). que limitou o poder dos reis ingleses, promoveu a segurança jurídica e criou o ambiente de negócios típicos do sistema capitalista.
O crédito se expandiu na esteira dessas e de outras inovações, mas também experimentou instabilidades. A maior oferta de financiamento acarretava surtos de euforia e desastrosas bolhas especulativas. A mais famosa delas foi a das tulipas. na Holanda (1636-1637). Uma tulipa chegou a valer dez vezes o salário anual de um artesão. Em alguns momentos, o preço dessa bela flor equivaleu a 25 toneladas de trigo.
A disseminação dos bancos e de sua capacidade de receber depósitos trouxe outro problema: a corrida bancária. Nos momentos de pânico, os depósitos eram sacados de uma vez. Sem poderem receber antecipadamente os empréstimos, os bancos quebravam em cadeia. Estouro de bolhas e corridas bancárias interrompiam subitamente o crédito, provocando efeitos devastadores para a economia e a sociedade.
Os bancos haviam se tornado fonte valiosa de desenvolvimento, mas era preciso limitar a assunção irresponsável de riscos e estabelecer mecanismos para lidar com corridas bancárias. Nos séculos XIX e XX. foram criadas instituições para regular o sistema financeiro e estabelecer regras prudenciais. visando a evitar crises ou limitar seus efeitos. Hoje. essas regras integram os chamados Acordos de Basiléia — ora na terceira edição —. coordenados pelo Banco de Compensações Internacionais, com sede nessa cidade suíça. As respectivas normas são aprovadas em cada país.
Mesmo assim, as crises acontecem. Bancos conseguem contornar restrições para a expansão de seus negócios, enquanto a má regulação e dificuldades de detectar riscos pelos reguladores criam as situações em que acontecem os desastres. O aprendizado com as crises é permanente e o processo de regulação, interminável.
Em resumo, a economia requer um bom sistema financeiro. Se os mercados não cumprem bem esse papel, particularmente no investimento, a falha deve ser suprida pelo governo, via instituições estatais. Também não se pode dispensar a regulação, em especial a que trata de normas prudenciais, dos riscos e da relação destes com a base de capital dos bancos.
Desafiando a experiência de quatro séculos, o governo sinaliza que vai criar um banco no Tesouro Nacional sem os requisitos de prudência que o Banco Central exige do sistema financeiro. A nova instituição, disfarçada de fundo, financiará a infraestrutura via repasse de recursos a bancos. Para suprir tais recursos se recorreria a uma indesejável ampliação da dívida pública. O fundo não teria base de capital para enfrentar os riscos típicos de operações de crédito. Ademais, o Tesouro dificilmente dispõe de pessoal habilitado a avaliar tais operações.
Mesmo que não fosse preciso elevar a dívida federal bruta, que nos últimos anos tem aumentado para que bancos estatais expandam seus programas de financiamento, a maior oferta de crédito para a infraestrutura deveria caber ao BNDES, que acumulou longa experiência na matéria.
Suspeita-se que o novo "banco" vise a contornar as normas que a regulação prudencial impõe ao BNDES, como capital mínimo e limite por cliente. No Tesouro, isso pode ser negligenciado. Por incrível que pareça, o governo terá de contar com a prudência dos bancos para evitar a assunção inconsequente de riscos e seus efeitos na economia. Não dá para acreditar.
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