GAZETA DO POVO - PR - 23/05
Não é razoável pensar que por terem suas ações limitadas a regiões carentes do país, não haja necessidade de que os médicos estrangeiros comprovem sua capacidade técnica de exercer a Medicina
Não é de hoje que o Brasil sofre com o caos no sistema público de saúde. Filas em postos, estrutura precária e a falta de médicos fazem parte do cotidiano da maior parte da população há décadas. Mas em vez de buscar políticas públicas capazes de contornar a situação, o governo insiste em ações imediatistas e questionáveis.
A panaceia da vez é a contratação de médicos estrangeiros. Inicialmente, foi anunciado pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, um possível acordo de cooperação entre o Brasil e Cuba para a contratação de médicos cubanos, 6 mil ao todo, para atuar em regiões carentes. Após a enxurrada de protestos de entidades de classe – o Conselho Federal de Medicina (CFM) chegou a chamar a medida de uma agressão à nação –, o governo voltou atrás, e agora defende a entrada de médicos formados em outros países, principalmente em Portugal e Espanha.
A proposta em estudo pelo governo federal prevê que os médicos recrutados no exterior passem por um teste de proficiência em português, mas dispensa a realização de prova técnica de conhecimentos. Segundo o próprio ministro da Saúde, Alexandre Padilha, isso não significaria a validação automática do diploma, uma vez que os profissionais receberiam apenas um registro provisório, permitindo o exercício profissional somente nas periferias ou locais afastados de interesse do governo federal e por um período determinado. Também só seriam admitidos médicos formados em faculdades reconhecidas em seus países de origem. As regras para a concessão do registro e atuação dos médicos seriam fixadas por meio de uma medida provisória.
Embora os detalhes do projeto do governo federal ainda não sejam conhecidos, sabe-se que a mera contratação de médicos não resolve a situação da saúde brasileira. Contratar médicos – sejam brasileiros ou estrangeiros – e não oferecer as condições mínimas de infraestrutura para que os profissionais possam exercer dignamente sua profissão é uma medida praticamente nula, cujo único resultado prático será o de disponibilizar alguém para ouvir os pacientes – sem que possa fazer algo para realmente curá-los.
Grave também é a distribuição de registros provisórios aos médicos estrangeiros sem que estes tenham de passar pelo Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos, o Revalida, exigido de todos os médicos formados no exterior – incluindo brasileiros – que queiram exercer a Medicina no país. Na edição 2012 do Revalida, dos 884 candidatos inscritos no teste, apenas 77 foram aprovados, evidenciando a precariedade de ensino de muitas faculdades estrangeiras. Não é razoável pensar que por terem suas ações limitadas a regiões carentes do país, não haja necessidade de que os médicos estrangeiros comprovem sua capacidade técnica de exercer a Medicina. Mesmo que o Revalida não esteja inume a críticas – alguns defendem que o exame seria rigoroso demais – a avaliação é uma maneira de equalizar a qualidade dos médicos que trabalham no país, independente de suas origens.
Curioso notar que até os brasileiros que estudam no exterior precisam passar pelo teste caso queiram exercer a profissão no Brasil. Matéria de ontem da Gazeta do Povo mostrou a preocupação dos 594 brasileiros que estudam na Escola Latinoamericana de Medicina (Elam), em Cuba, e que depois de formados terão de passar pelo Revalida se quiserem trabalhar no Brasil. É irônico pensar que – pelo menos se depender do governo federal – casos eles fossem cubanos e não brasileiros, poderiam ser simplesmente dispensados do teste e trabalhar tranquilamente em nosso país.
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