sexta-feira, maio 31, 2013

De onde não se espera - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 31/05

Será um enredo bem inesperado se o senador Renan Calheiros se transformar no fiador da defesa institucional do Congresso. Pelo inusitado da articulação política do governo, coube ao senador o improvável papel de grande defensor das instituições. Foi ele quem disse à ministra-chefe da Casa Civil que ela não estava entendendo a dimensão do Legislativo.

Renan saiu de mandatos opacos na política ao embarcar no expresso que partiu de Alagoas rumo ao Palácio do Planalto pilotado por Fernando Collor. Dele se afastou em tempo hábil para salvar-se, quando o então presidente afundava no impeachment. No governo Fernando Henrique, chegou ao cargo de ministro da Justiça. Anos depois, envolveu-se numa rocambolesca história de contas íntimas pagas por empreiteira, mas também evadiu-se da presidência do Senado a tempo de evitar a Comissão de Ética. Renunciando ao posto, acabou absolvido por seus pares em uma votação secreta.

Quando iniciou sua caminhada de volta ao comando do Senado, a mídia social conseguiu, em poucos dias, coletar um milhão de assinaturas de protesto. Foram insuficientes para alterar a ordem antinatural das coisas, e ele voltou ao cargo.

Deste alto posto de comandante, ele conseguiu, na semana passada, ancorar o desgovernado navio da MP dos portos, com manobras regimentais de velocidade estonteante. Fez sete dias em uma tarde e aprovou a MP. Alertou que seria a última vez, porque daqui para diante exigiria que fosse respeitado maior prazo para que uma MP chegasse da Câmara.

Foi quando apareceu por lá, já com os dias contados, a MP 605, que dá novo destino aos recursos da Conta de Desenvolvimento Energético, para que ela pague parte da redução do preço da energia. Redução essa que ocorre quando o custo da energia para o sistema tem ficado mais caro. É mais uma MP na contramão dos fatos econômicos, mas ela morreu no Senado porque não respeitou a ordem dos dias.

Curioso, realmente, é tentar entender tanto atropelo. A presidente Dilma Rousseff tem uma vasta base parlamentar. Tão agigantada que precisou montar um governo-transatlântico, com 39 ministros.

"Algo não está muito bem", constatou o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves. O deputado, que tem tido o sol do Rio Grande do Norte por testemunha da longevidade dos Alves na política do estado, avisou que não era o caso de tapar o sol com a peneira. "Não é possível, com 420 deputados da base não conseguir colocar 257 em uma sessão decisiva." Como integrante desse grupo numeroso, ele deve dirigir essa dúvida, entre outros, a ele mesmo.

Na refrega que levou à derrota do governo na MP 605, deu-se então o esclarecedor diálogo narrado no GLOBO de ontem pelos repórteres Maria Lima, Paulo Celso Pereira e Júnia Gama. A ministra Gleisi Hoffmann teria dispensado as negociações do presidente do Senado para salvar a MP afirmando que já tinha acertado tudo com a Marta Lyra, que ocupa o cargo de assessora parlamentar do Ministério de Minas e Energia.

Ou seja, a ministra-chefe da Casa Civil estava dizendo ao presidente do Senado que dispensava sua atuação porque já havia acertado como aprovar a MP em conversa com uma assessora parlamentar. Gleisi desembarcou na chefia da Casa Civil com a experiência de ter sido assessora parlamentar na Assembleia Legislativa do Paraná e de ter sido derrotada na campanha eleitoral para a prefeitura de Curitiba. Essa primeira derrota lhe rendeu um cargo precioso: o de diretora financeira de Itaipu. De lá, preparou sua segunda campanha, que a levou ao Senado. Em pouco tempo de mandato, chegou à Casa Civil. Com tal experiência em queimar etapas, ela quis fazer o mesmo, acertando como o Senado deveria votar numa conversa com a assessora parlamentar do Ministério de Minas e Energia.

Foi quando, em surpreendente lance da novela, o senador Renan, ele mesmo, diz: "Como assim, acertou com Marta Lyra? A senhora enlouqueceu? Está confundindo as coisas, não está entendendo a dimensão do que é o Legislativo."

Numa democracia, como aprendemos, o Congresso tem enorme dimensão. O atual Executivo e o próprio Legislativo têm feito esforços para apequená-lo. A ponto de o reforço para a defesa das suas prerrogativas institucionais vir agora até de onde menos se espera.

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