Valor Econômico - 03/05
Foram três pronunciamentos presidenciais na televisão desde o início do ano. A contundência que marcou os dois primeiros cedeu lugar a um tom mais sereno naquele que foi ao ar na noite do 1º de maio.
Num cenário de pressões inflacionárias a incendiar oposicionistas, a opção da presidente parece ter sido a de baixar o tom. É na marolinha que se agita. Quando as ameaças são reais, é serenidade que se impõe.
No primeiro dos pronunciamentos, em janeiro, a presidente apareceu de terno vermelho e gestual contundente. Ao anunciar a redução na tarifa de energia, condenou os que apostavam contra o Brasil com previsões alarmistas.
Em março, a presidente voltou à TV no dia da mulher. Vestiu-se de cinza, mas não perdeu a contundência. Anunciou que tomaria medidas a favor do consumidor, usou duas vezes a palavra "intransigente" e cinco vezes "defesa". Encerrou o pronunciamento com ameaça velada a homens agressores, para que lembrassem da presença de uma mulher na Presidência na próxima vez que pensassem em levantar a mão em casa.
Nesta semana não teve lugar para arroubo. Dilma apareceu de tailleur preto debruado de branco. Não anunciou uma única medida e em poucos momentos deixou que as mãos ultrapassassem a linha da câmera.
O contraste, à primeira vista, parecia se dirigir aos inflamados palanques sindicais do dia, mas a mira vai além. A inflação mereceu uma breve referência. Dada sua centralidade, foi deixada à margem do discurso como se a demonstração de uma presidente preocupada com o tema fosse suficiente para piorar as expectativas que alimentam os índices.
Sumiram as defesas intransigentes e apareceu a prioridade à educação como o passo seguinte para o país do pleno emprego. Ao invés de pressão, pediu que a sociedade "incentivasse" seus representantes no Congresso a aprovar o projeto que destinará 100% dos recursos dos royalties para a educação.
A presidente Dilma Rousseff botou água numa fervura que o PT, capitaneado por seu antecessor, tratou de antecipar ao lançar a campanha à reeleição no início do ano.
Com aquele gesto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva obrigou os potenciais adversários de Dilma a tomar posições no jogo e, com isso, antecipar as dificuldades que cercam suas postulações.
Começou a tratar como real a candidatura do governador Eduardo Campos para expor tanto seus aliados no PSB quanto os simpatizantes no meio empresarial à desconfortável perspectiva de um descolamento das benesses governistas.
O governo imprensou o governador com a MP dos Portos, forçando-o a buscar aliados como Paulo Pereira da Silva, da Força Sindical, que não o recomenda junto aos seus simpatizantes no meio empresarial. A reeleição antecipada, por fim, obrigou-o a antecipar o mote do "mais e melhor" para dele se apropriar.
Com menos recursos que a presidente, a oposição tem que começar a trabalhar antes. O problema é quando o ritmo dessa antecipação é ditado por quem tem as cartas nas mãos.
Talvez a menos prejudicada pela campanha antecipada seja a ex-ministra Marina Silva, que assim busca alternativas para a hipótese de seu novo partido naufragar na coleta de assinaturas ou na tormenta da lei eleitoral.
A antecipação também expôs a disputa interna enfrentada pelo senador Aécio Neves no PSDB. A disputa não se limita à possibilidade de o ex-governador José Serra deixar o partido. Estende-se à difícil construção de um discurso uníssono para o partido. O dissenso mais recente foi a discordância do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, revelada a Cristian Klein (Valor, 30/04/2013), sobre o fim da reeleição proposta por Aécio.
A antecipação da campanha expõe estratégias com o objetivo de desgastá-las. Tome-se o 1º de maio. Aécio era o único presidenciável presente no evento da Força Sindical. Seu principal dirigente, Paulo Pereira da Silva, resolveu fazer cavalo de batalha pelo gatilho salarial. Por irresponsável, a ideia está isolada no movimento sindical. Tem apoios pontuais como o do presidente do sindicato dos trabalhadores da construção civil, Antonio Ramalho, que também é deputado estadual, do PSDB paulista menos alinhado ao serrismo.
No evento de ontem Paulinho fez animação de auditório com a proposta do gatilho e, como era previsto, ganhou adesão da plateia. Aécio, que teve o microfone empunhado pelo dirigente, negou apoio à proposta que enterra tudo o que o PSDB já fez na economia, mas pegou carona no clima armado pelo sindicalista amigo: "Esse tema volta à discussão exatamente porque o governo perde o controle sobre a inflação".
O sucesso petista em explicitar a estratégia adversária não resolve todos os percalços da reeleição. A jogada de Aécio, por mais escancarada que tenha sido, expõe uma dificuldade em que Dilma ainda não foi testada.
Com uma conjuntura internacional mais favorável e sem pestanejar, como Dilma, em usar os juros quando a inflação ameaçava voltar, Lula enfrentou o mensalão lançando mão da ameaça de mobilizar os movimentos sociais para incendiar as ruas. Como quem armou contra seu governo também ganha a vida na rua, o embate funcionou.
A batalha de Dilma é outra. A persistência de desajustes na economia pode afetar expectativas, especialmente num país que viu crescer a fatia de títulos públicos em mãos de estrangeiros. Essa gente não depende da rua, a não ser para avisá-la de que está na hora de cair fora.
Mesmo que tenha abandonado as proparoxítonas e vista-se de placidez para ir à TV, Dilma pode não ser capaz de segurar as ameaças da conjuntura econômica no gogó. Inflação sobe porque ninguém quer ter perdas e não aparece quem as arbitre. Por isso é um tema do qual a política tem que se ocupar.
A estampa de serenidade ajuda, mas está longe de resolver. A agenda das medidas a serem tomadas para domar a inflação pode não combinar com a da candidata. É um choque do qual se requer liderança política para se escapar.
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