GAZETA DO POVO - PR - 25/04
É bom que o poder público se disponha a oferecer educação a partir dos 4 anos, mas seria ainda melhor se o Estado garantisse as vagas respeitando a liberdade das famílias
No início do mês, o Congresso aprovou e a presidente Dilma sancionou a obrigatoriedade de matrícula na escola de toda criança a partir dos 4 anos de idade. A Lei 12.796 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD) e regulamenta a Emenda Constitucional 59, aprovada em 2009, que previa “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade”. Agora, o ensino infantil passa a fazer parte do ensino obrigatório. Pais que descumprirem a regra e não matricularem seus filhos poderão ser acionados judicialmente.
Educar bem as crianças desde a mais tenra idade, tanto na família quanto na escola, é fundamental para que o nível educacional de um país possa avançar. No Brasil, que sofre desde sempre com o descaso do poder público com o ensino e onde nem sempre as famílias podem oferecer, em casa, o estímulo intelectual e lúdico de que as crianças necessitam na primeira infância, a antecipação do início da vida escolar poderia ser vista como um ponto importante para uma virada em direção a uma sociedade mais bem-educada.
Nesse sentido, pode ser lógico pensar que, quanto mais tempo de escola, melhor educação a criança terá. Mas a prática desmente a retórica e mostra que uma boa educação exige muito mais que estar na escola – basta lembrar os números do mais recente Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf). Segundo a pesquisa, 38% dos universitários brasileiros (que passaram pelo menos 12 anos na escola) têm dificuldades para interpretar textos e associar informações. Além disso, entrar mais tarde na escola também não significa necessariamente atraso no aprendizado. Na Finlândia, reconhecidamente um país de sucesso na área educacional, a obrigatoriedade de matrícula começa aos 7 anos. Entre os demais líderes do teste internacional Pisa, a Estônia obriga a matrícula também aos 7 anos; Coreia do Sul, Cingapura, Canadá, Japão, Bélgica, Noruega e Suíça, aos 6; Austrália, Nova Zelândia e Holanda, aos 5.
Além disso, para um resultado positivo, é preciso saber como a medida será implantada. De imediato, a primeira dificuldade é a infraestrutura: não há vagas para todas as crianças. No último dia 14, a Gazeta do Povo mostrou um déficit de 1 milhão de vagas para o ensino infantil no país. Só no Paraná seria necessário abrir 100 mil vagas para atender à demanda, ou 33,4 mil novas vagas por ano até 2016, prazo para a adequação à nova regulamentação. Considerando o estado precário das finanças da maioria dos municípios, será difícil que as prefeituras, sozinhas, consigam arcar com essa conta.
Será preciso ainda garantir que a antecipação da entrada na escola signifique efetivamente melhoria na qualidade da educação, qualidade essa que vai muito além da mera questão do conhecimento – importante, sem dúvida, mas não a única dimensão da educação escolar. A escola é um espaço de descobertas, compartilhamento de conteúdos, mas também de formação, atuando em conjunto com a família. No caso da pré-escola, o próprio texto da Lei 12.796 reconhece, no artigo 29, que “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. Não é incomum que educadores, seja de forma consciente ou não, adotem uma postura ideologizante, inculcando seus próprios posicionamentos políticos e ideológicos em seus alunos. Se isso já é grave quando ocorre no ensino médio ou universitário, o que dizer entre os pequenos de 4 ou 5 anos de idade?
Não deixamos de reconhecer as ótimas intenções dos autores do projeto e do governo federal ao buscar que as crianças passem mais tempo na escola. No entanto, também é preciso levar em consideração a liberdade dos pais, que podem considerar mais importante o convívio prolongado da criança de até 6 anos com a família, um fator importante para o desenvolvimento infantil e que deveria ser respeitado. É bom e necessário que o Estado se disponha a oferecer a educação a partir dos 4 para os pais interessados em matricular seus filhos. Mas, em nosso entendimento, seria ainda melhor se o poder público se comprometesse a garantir essas vagas, respeitando a liberdade das famílias para que pudessem escolher entre colocar os filhos na escola ou mantê-los em casa até os 6 anos (limite a partir do qual deve haver, sim, a obrigação de matrícula). De qualquer forma, cabe aos pais e à sociedade acompanhar de perto o ensino das pré-escolas, fiscalizando para que os investimentos no ensino infantil sejam alocados de forma eficiente. Sem o comprometimento de todos, por mais cedo que as crianças entrem na escola, pouco se poderá avançar em direção a uma melhor educação.
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