sábado, abril 20, 2013

Contraordem chavista - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 20/04

Autoridade eleitoral da Venezuela cede e admite recontagem dos votos, em rara concessão na escalada autoritária do regime


O regime chavista na Venezuela se sustentou na neutralização paulatina dos dispositivos de controle e crítica do poder presidencial, no gasto social maciço com recursos abundantes do petróleo e na realização periódica de votações plebiscitárias para emprestar ao caudilho um verniz democrático.

A morte de Hugo Chávez e a eleição contestada de seu sucessor evidenciam a corrosão desses três pilares. O recurso à força bruta, ao peso dos militares e ao silenciamento explícito da oposição, que antes parecia desnecessário, agora se insinua de modo um tanto preocupante.

Enquanto Nicolás Maduro, o herdeiro declarado eleito, alude às mais inverossímeis tramas conspiratórias, Diosdado Cabello, presidente do Congresso, flerta com a linha dura. Cassou a palavra e destituiu de comissões os parlamentares da oposição, que ocupa 46% das cadeiras, enquanto não reconhecerem a vitória de Maduro.

Cabello é o governista mais próximo dos militares, mas foi preterido na disputa interna para suceder a Chávez. É cedo para saber se aproveita a situação para se tornar a eminência parda de um Maduro enfraquecido, ou se almeja emergir como alternativa numa eventual, e arriscada, guinada cesarista.

Uma decisão alentadora, contudo, surgiu da autoridade eleitoral da Venezuela. Ainda que dominado por chavistas, o órgão voltou atrás e decidiu recontar os 46% de votos ainda não auditados da eleição de domingo. Atende, assim, a uma justa demanda do oposicionista derrotado por 1,8 ponto percentual, Henrique Capriles.

Tenha ou não havido fraude --e essa dúvida é um ônus de todo regime autoritário--, parece improvável que a auditoria altere o resultado. Mas a observância de ritos minimamente aceitáveis de respeito ao contraditório é importante para a Venezuela, bem como para a estabilidade política regional.

Mais uma vez, os presidentes sul-americanos amigos do chavismo se precipitaram no socorro a um membro do clube em apuros. Reunião de emergência no Peru reconheceu prontamente a legitimidade de Maduro e defendeu o óbvio --que toda contestação deveria ser resolvida dentro do ordenamento institucional venezuelano.

É um posicionamento aceitável, embora o reconhecimento pleno devesse aguardar a decantação dos fatos. Salta aos olhos que remédio totalmente oposto foi ministrado ao Paraguai, onde um presidente foi destituído pela via constitucional (ainda que se possa criticar o açodamento com que se restringiu o direito de defesa).

Explica-se o casuísmo: em Assunção se cassou um líder próximo do chavismo, Fernando Lugo.

Que a presidente Dilma Rousseff tenha participado desses episódios --e o Brasil, sob seu governo, tenha posto de lado uma tradição ponderada de diplomacia regional--, eis um fato a lamentar.

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