O Estado de S.Paulo - 05/02
Sempre disposta a sobressair-se entre outros dirigentes nacionais e a fazer sua Argentina destacar-se dos demais países, sobretudo os vizinhos, a presidente Cristina Kirchner alcançou seus objetivos, embora de forma que certamente não desejava. Seu governo e seu país são os primeiros, em toda a história do FMI, a receber uma moção pública de censura da diretoria da instituição por causa da má qualidade de suas estatísticas, que resultam em índices de inflação e de crescimento do PIB sem credibilidade, o que impede sua comparação com os de outros países, distorce os cálculos econômicos e dificulta a correta avaliação da situação econômica da Argentina.
Na nota na qual informa a censura à Argentina, o Fundo critica a falta de progresso na adoção de medidas pelo governo Kirchner para melhorar a qualidade das estatísticas, sobretudo para a aferição do Índice de Preços ao Consumidor na região da grande Buenos Aires e do PIB. A diretoria da instituição deu prazo até 29 de setembro para que essas medidas sejam implementadas, pois a diretora-gerente Christine Lagarde terá de apresentar um relatório sobre o caso no dia 13 de novembro. A moção de censura é a primeira de uma série de sanções que poderão ser aplicadas pelo FMI à Argentina. Elas podem incluir a suspensão dos direitos de voto do país nas reuniões da instituição e até sua expulsão.
A censura formal do FMI à Argentina era esperada. O Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec), que realiza trabalho semelhante ao do IBGE, está sob intervenção do governo desde 2007. Foi a maneira que o governo Kirchner (antes de Cristina, a presidência foi ocupada por seu marido, Néstor) encontrou para evitar que a inflação, já sentida no bolso dos cidadãos e na contabilidade das empresas, fosse integralmente aferida pelas estatísticas oficiais. Desde então, os dados do Indec vêm sendo contestados por economistas e instituições privadas. No ano passado, por exemplo, a inflação argentina ficou em cerca de 25%, na média dos cálculos privados, mas, para o Indec, limitou-se a 10,8%.
Fato conhecido no país e no resto do mundo - há anos os relatórios do FMI publicam dados sobre a Argentina acompanhados de nota na qual adverte para sua falta de credibilidade. A deliberada manipulação das estatísticas nacionais, com objetivo visivelmente políticos, tem sido desmentida com vigor pelo governo Kirchner.
Em setembro, usando uma linguagem futebolística, pertinente por se tratar da Argentina, a diretora-gerente do Fundo afirmara que, ao determinar que o governo Kirchner providenciasse as correções necessárias nas suas estatísticas, a instituição aplicava-lhe um "cartão amarelo". Como sempre faz em situações como essa, Cristina Kirchner respondeu de maneira ríspida, dizendo que a Argentina não era um time de futebol, mas um país.
Também desta vez, Kirchner reagiu asperamente. Sem explicar por que as estatísticas argentinas se tornaram tão ruins, tratou de atacar o FMI no twitter - do qual parece ter-se tornado usuária compulsiva, a ponto de um comentarista do jornal La Nación chamá-la de "tuiteira furiosa". "Onde estava o FMI que não conseguiu prever nenhuma crise?", perguntou, irritada.
A resposta está documentada. No seu Panorama Econômico Mundial divulgado em setembro de 2006 - dois anos, portanto, antes do início da crise mundial -, o FMI advertiu que uma ruptura do mercado imobiliário poderia provocar uma abrupta queda no ritmo da economia americana, como acabou acontecendo. Em outubro de 2007, observou que a economia mundial entrara num período de incertezas e de dificuldades potenciais. Os problemas nos mercados de crédito haviam sido graves nos meses anteriores e poderiam ter desdobramentos, como tiveram.
O ministro da Economia, Hernán Lorenzino, de sua parte, repetiu a promessa de elaborar um novo índice de preços. Mas não para setembro, como exige o FMI. Esse índice seria testado em 2014 e seus primeiros resultados sairiam em 2015 e, não por coincidência, quando termina o mandato de Cristina Kirchner.
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