sexta-feira, janeiro 04, 2013

Manobras de fim de ano para fechar as contas fiscais - VALOR ECONÔMICO


VALOR ECONÔMICO - 04/01

O governo costuma desengavetar no fim de dezembro medidas de emergência para tapar buracos negligenciados ao longo do ano. Desta vez mostrou ser extraordinariamente ativo e criativo para garantir o cumprimento da meta fiscal, um dos três pilares da política econômica ao lado da meta de inflação e do câmbio flutuante.
No mesmo dia da semana passada em que anunciava que as contas públicas fecharam novembro no vermelho pela primeira vez na administração de Dilma Rousseff e com o maior déficit em quase quatro anos, o governo elaborou um decreto, um despacho ministerial e três portarias para anabolizar as receitas no último mês do ano, que somente agora vieram à luz, com a publicação no Diário Oficial.

O aumento das despesas, especialmente de custeio, a um ritmo bastante superior ao das receitas, enfraquecidas pela desaceleração econômica e pelas desonerações tributárias, vinha afetando as contas públicas há meses. O governo já havia admitido que só alcançaria o prometido superávit primário deste ano de R$ 139,8 bilhões caso recorresse ao expediente previsto em lei de abater da meta os investimentos feitos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Legalmente, o governo poderia descontar até R$ 40,6 bilhões investidos no PAC, desde que efetivamente desembolsados. Mas o governo gastou bem menos do que isso, R$ 28,4 bilhões até novembro, e já havia anunciado a intenção de abater R$ 25,6 bilhões em investimentos, levando a meta ajustada a R$ 114,2 bilhões.

Os resultados de novembro indicaram, porém, que seria preciso mais do que isso. Em novembro, o governo central, que compreende o Tesouro, Previdência e Banco Central (BC), registrou um déficit de R$ 4,29 bilhões. O resultado primário do governo federal, Estados e municípios foi maior ainda, R$ 5,5 bilhões, negativo pela primeira vez em dois anos e sete meses e o maior déficit desde dezembro de 2008, quando o buraco foi de R$ 20,9 bilhões.

No ano até novembro, o superávit primário está acumulado em R$ 82,699 bilhões. As receitas cresceram 4%; mas as despesas, quase quatro vezes mais, 15%. Apenas os gastos do governo central em custeio, isto é, na manutenção da máquina pública, aumentaram 17,3%. Em igual período de 2011, a meta do ano estava garantida. Agora, mesmo considerando a meta ajustada, ainda faltam R$ 31,5 bilhões, impossíveis de serem amealhados mesmo em um mês que o governo espera ser bom em arrecadação, como dezembro.

Impossibilitado de ampliar os descontos do PAC, o governo apelou para outros instrumentos para cumprir a meta. Um deles é a receita de dividendos, depositados pelas estatais nos cofres federais. As estatais já transferiram R$ 20,4 bilhões em dividendos, de janeiro a novembro. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) garantiu metade desse valor, R$ 10,6 bilhões. Em seguida vem a Caixa Econômica Federal, com R$ 3 bilhões.

A expectativa do governo é fechar o ano com R$ 29 bilhões em receitas de dividendos. As portarias e demais documentos abrem caminho para isso. Uma das medidas, o decreto presidencial da sexta-feira, autoriza o BNDES a repassar ao Tesouro dividendos intermediários apurados até 30 de setembro, o que foi realizado simultaneamente conforme portaria da mesma data e publicada ontem que registra o pagamento de mais R$ 2,3 bilhões em dividendos pelo BNDES. Para que o banco não ficasse com o cacife esvaziado, um despacho ministerial de 31 de dezembro autorizou o aporte de R$ 15 bilhões do Tesouro no banco, a última parcela do aumento de capital de R$ 45 bilhões, previsto em abril, o que foi feito em títulos públicos, conforme outra portaria. A Caixa adiantou mais R$ 4,7 bilhões.

Um recurso mais complexo foi revelado pela publicação, ontem, de portaria datada também de segunda-feira que autoriza o resgate pelo Tesouro de recursos do Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE), do qual o Fundo Soberano do Brasil é o único cotista. Foram sacados nada menos que R$ 12,4 bilhões.

Com essas manobras, o governo conseguiu ampliar a receita em cerca de R$ 19,4 bilhões, o que deve garantir a meta ajustada do governo central e ajudar substancialmente no resultado primário, esvaziado pela pouca colaboração de Estados e municípios.

O esforço do governo para atingir a meta fiscal seria louvável caso não dependesse tanto de artifícios e não lembrasse o que ocorreu em 2010, quando a Petrobras foi capitalizada pelo Tesouro para na sequência pagar R$ 74,8 bilhões ao governo pelo direito de explorar o petróleo da camada do pré-sal. Afinal, dificuldades fiscais são compreensíveis em um ano como 2012.

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