FOLHA DE SP - 04/12
SÃO PAULO - Se há uma coisa que cresceu ao longo das últimas décadas, foram as diversas modalidades de doping. Hoje, conta-se com auxílio farmacológico para melhorar não só a performance atlética como também para aprimorar o desempenho intelectual, o humor e a própria estética. Até pela analogia com o esporte, a questão que se coloca é: essa ajuda bioquímica é lícita?
O problema é complexo, mas receio que tenhamos de aceitar o doping como algo inevitável, um efeito colateral da relativa eficácia de nossa indústria farmacêutica. A alternativa, que seria começar a testar todos para tudo, me parece socialmente mais desagregadora. Estudantes teriam de provar que não fizeram seus exames sob o efeito de anfetaminas como a Ritalina e modelos teriam de dispensar seus chips hormonais, capazes de reduzir o peso e a celulite. Até o sujeito excepcionalmente jovial precisaria jurar que não toma antidepressivos nem moduladores do humor para ser considerado autêntico.
A verdade é que, muito antes de a indústria farmacêutica ser capaz de oferecer os produtos hoje disponíveis, nossa espécie já recorria à ajuda externa. A diferença entre um comprimido de Ritalina e uma xícara de café, afinal, é muito mais de grau do que de princípio. E o que são duas taças de vinho num evento social, senão uma forma de melhorar artificialmente o humor dos convivas?
Se há uma atitude atípica nessa história toda é a das autoridades esportivas, que declararam guerra ao doping e se lançaram numa infindável corrida armamentista contra atletas dispostos a tudo e farmacêuticos explorando os limites da fisiologia.
Melhor do que travar batalhas que não podem ser ganhas é jogar honestamente, reconhecendo que as pessoas têm o direito de buscar ajuda da ciência para melhorar sua performance, mas exigindo que elas sejam corretamente informadas dos muitos e sérios riscos que correm ao fazer uso "off label" de drogas.
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