Valor Econômico - 06/11
Ao longo da primeira década deste século, o Brasil experimentou uma retomada do crescimento econômico em patamares mais próximos dos níveis mundiais. Particularmente, no período de 2006 a 2011, a taxa média anual de crescimento do PIB brasileiro (4,2% ao ano) tem-se mantido ligeiramente superior àquela verificada em nível mundial (3,6% ao ano).
Para isso, é provável ter havido contribuição dos novos marcos regulatórios implantados no Brasil, entre eles a Lei 8.630/93, referida como Lei de Modernização dos Portos.
Contudo, a efetiva maturação do quanto nela preconizado enfrentou dificuldades tanto interna quanto externamente. No front interno, após quase duas décadas de crises econômicas, o planejamento público estratégico resultou negligenciado, com carência de políticas capazes de assegurar um ambiente favorável à ação empreendedora dos agentes econômicos privados, que só agora parece renascer com a Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Externamente, tanto parceiros comerciais como concorrentes já vinham preparando-se, muito antes de 1993, para a notável expansão do comércio internacional, em ambiente tutelado pela exigência de crescente competitividade. Mas a grande verdade é que o modelo de gestão portuária nela contemplado ainda carece de implementação completa e eficaz - especialmente no que concerne às funções do poder público.
Debate sobre a ineficiência dos portos está mal informado
Em ambiente concorrencial de excelência e competitividade, o mercado de transporte marítimo e seu irmão siamês, o portuário, tornaram-se crescentemente solicitados. Do primeiro, altamente intensivo em capital, é exigido o emprego de navios cada vez maiores, transitando por rotas comerciais capazes de garantir taxas de ocupação remunerativas. Do segundo, o portuário, também intensivo em capital, exige-se investimentos capazes de habilitar cada porto à operação eficiente e competitiva da moderna frota de navios.
O fato é que os maiores e mais modernos navios porta-contêineres passam ao largo da costa atlântica da América do Sul, por duas principais razões: a) o volume comercial na rota norte-sul de comércio internacional (onde o porto de Santos é o mais importante, na ponta sul) é comparativamente muito inferior ao registrado na rota leste-oeste; e b) a infraestrutura, responsabilidade do setor público, está aquém daquela indispensável à operação dos navios porta-contêineres mais modernos.
O forte aumento da atividade portuária brasileira, na última década, reflete em certa medida uma consolidação do modelo de gestão proposto pela Lei 8.630/93, que preconiza distintas competências para os setores público e privado, respectivamente, na construção, manutenção e operação da infraestrutura portuária do país. No modelo, iniciativa privada e poder público devem atuar complementarmente. Aquela, responsável pela operação portuária propriamente dita, em regime concorrencial. Este, cuidando do planejamento estratégico e regulação, de modo a prover ambiente adequado à livre iniciativa, à simetria de concorrência e, consequentemente, ao resguardo do interesse público.
O espírito contemplado na Lei 8.630/93, se assemelha ao modelo (Land Lord Port) que muito antes já regulava a gestão do porto de Roterdã e, de resto, a de outros portos de excelência no mundo. Enquanto nesses a estrutura de gestão portuária já estava voltada para as necessidades logísticas que a globalização iria impor aos mercados, a partir dos anos 80 do século passado, só em 1993, com a sua promulgação o Brasil iniciou a caminhada para suprir uma logística portuária eficiente e competitiva nos portos da costa nacional - com o arrendamento de áreas portuárias à iniciativa privada e os investimentos modernizadores que daí fluiriam. Entretanto, a falta de planejamento público consistente, de gestão eficiente e uma notória carência de segurança jurídica inibem a continuidade ou a aceleração de investimentos privados - contribuindo para acentuar as diferenças qualitativas entre portos brasileiros e seus congêneres em países mais desenvolvidos.
O modelo Land Lord Port, vigente nos principais portos do mundo, tem como característica fundamental que o Estado forneça a infraestrutura, ficando a iniciativa privada responsável pela superestrutura e pela operação portuária. No Brasil o modelo foi corrompido, diante de uma injustificada - mas notória - incapacidade do Estado para investimentos indispensáveis em infraestrutura. Como consequência, para capitanear uma operação minimamente eficiente, a iniciativa privada viu-se obrigada a investir, também, em infraestrutura.
Em todo sistema econômico organizado, os portos são instrumentos de política pública. Ao Estado cabe tudo - planejamento estratégico, zoneamento, localização e finalidade, metas, segurança, regulação etc. -, exceto a operação dos terminais, transferida à iniciativa privada. A preocupação não deve ser revogar ou modificar a Lei 8.630/93, para desfigurar o desenho original nela proposto, que é adotado com sucesso nos portos internacionais de primeira linha. O debate atual sobre a ineficiência dos portos está muito mal informado. Não se trata de "inventar" um novo modelo ou, mais trágico, "repetir" o velho. É mais razoável e mais eficiente atacar os problemas que até agora se opõem à apropriada implementação da lei.
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