FOLHA DE SP - 03/10
Não há grande ameaça a interesses brasileiros em jogo nas eleições presidenciais da Venezuela
A Venezuela vai às urnas neste domingo, e o governo brasileiro aposta no silêncio prudencial.
Não haverá gestão de Dilma junto a Hugo Chávez ou seu opositor, Henrique Capriles, pedindo eleições limpas e pacíficas.
Não haverá aviões da FAB pousando em Caracas com enviados pessoais tais como o chanceler, o ministro da Defesa, os presidentes do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal.
A Unasul enviará observadores eleitorais, mas a presidente não fará discurso contundente para fortalecer-lhes o mandato.
No passado, FHC e Lula apelaram ao telefone e a mensageiros pessoais uma e outra vez para lidar com a Venezuela. Não agora.
O silêncio se justifica porque não há grande ameaça a interesses brasileiros. Eventuais surtos de violência e fraude eleitoral não bastam para meter a mão no vespeiro.
Entretanto, é impossível não sentir algum desconforto com essa atitude. O Brasil tira vantagens extraordinárias de sua relação com a Venezuela. Isso cria responsabilidades especiais tanto para quem vê no chavismo uma experiência democrática promotora da justiça social quanto para quem nele enxerga uma séria ameaça à democracia.
O silêncio de hoje pode não custar caro aos interesses brasileiros de amanhã. Mas é o melhor que podemos fazer?
Na semana passada, Dilma proferiu na Assembleia-Geral da ONU seu pior discurso de política externa. Os assessores que redigiram a peça carregaram uma arma com munição pesada e fizeram a presidente atirar nos próprios pés.
No quesito Síria, o texto seguiu à risca a posição americana. Não houve reflexão sobre a nova democracia no Egito nem menção ao Irã. Nada sobre os efeitos da intervenção do ano passado na Líbia. Nenhuma palavra sobre o trabalho brasileiro no Haiti e na Guiné-Bissau.
Sem usar o púlpito para oferecer uma visão própria dos principais temas da agenda, perdeu-se a oportunidade de mostrar ao mundo que o Brasil tem algo construtivo a dizer sobre a ordem global.
O discurso também jogou pelo ralo o esforço brasileiro para construir pontes entre as nações: enviesado, denunciou a islamofobia de países ocidentais, mas silenciou sobre os ódios igualmente nefastos que fluem em direção oposta. Assim, desqualificou o Brasil como interlocutor de todos.
Pior ainda foi o trecho sobre a vizinhança. Dilma afagou Cuba, mas calou sobre a principal notícia dos últimos tempos: o inédito e promissor processo de paz entre Colômbia e Farc (com ativa participação cubana). Assim fica impossível obter simpatia sul-americana para as pretensões globais do país.
O momento tragicômico ficou por conta do tempo precioso gasto para celebrar a redução dos acidentes de trânsito. Isso mesmo, leitor, acidentes de trânsito.
Dilma ainda justificou o neoprotecionismo. Apenas o nosso, claro, porque o dos outros é ruim.
Vazio de ideias e mal escrito, o discurso provoca impaciência, perplexidade e preguiça. É um desserviço ao processo de ascensão do Brasil.
Não precisava ser assim.
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