SÃO PAULO - É interessante a iniciativa da Folha de convidar personalidades para explicar em artigos por que votarão em Fernando Haddad ou José Serra. O que me chamou a atenção na série é que, partindo de um mesmo conjunto de fatos (a conjuntura brasileira) e com objetivos não muito diferentes (promover o bem comum), pessoas inteligentes conseguem "deduzir" conclusões diametralmente opostas.
Como é possível? Isso nos leva ao âmago da teoria da decisão racional e, mais especificamente, a um polêmico e muito citado artigo de 2011 dos pesquisadores franceses Hugo Mercier e Dan Sperber, em que eles viram pelo avesso velhos pressupostos da filosofia e da psicologia.
Eles sustentam que a razão humana não surgiu para aumentar o nosso conhecimento e nos aproximar da verdade, como querem os modelos clássicos, porém mais simplesmente para nos fazer triunfar em debates.
A teoria dos autores, apoiada num volume impressionante de estudos e evidências, não apenas faz sentido evolutivo como ainda resolve uma série de vieses cognitivos que a psicologia tinha dificuldade de explicar. O mais interessante deles é o chamado viés de confirmação, pelo qual fechamos os olhos para as evidências que não corroboram nossas crenças e expectativas e sobrevalorizamos aquelas que apoiam nossas teses.
Se quisermos, essa é uma descrição razoavelmente precisa do que fazem jornalistas, cabos eleitorais de candidatos, ministros do Supremo, cientistas, advogados etc.
Se Mercier e Sperber têm razão, o saber não surge como resultado de esforços individuais, mas, sim, como um empreendimento coletivo.
Diferentes agentes e facções se digladiam para convencer seus pares de que têm as melhores ideias e, nesse processo, o conhecimento acaba, às vezes, emergindo.
Nesse modelo, nem tudo está perdido, mas dependemos bem mais do acaso do que seria recomendável.
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