sexta-feira, outubro 26, 2012
Entalo fiscal à brasileira - ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK
O Estado de S. Paulo - 26/10
Nos últimos anos a longa e complexa crise que se abateu sobre a economia mundial tornou-se, em grande medida, uma crise fiscal. É bem verdade que há variações importantes na natureza das dificuldades fiscais com que diferentes economias se vêm debatendo. O problema europeu é bem distinto do americano. Mas, nos dois casos, salta aos olhos a prevalência das questões fiscais na evolução da crise. O que talvez ainda não esteja sendo devidamente percebido, contudo, é a evidência cada vez mais forte de que, a seu modo, a economia brasileira parece estar também às voltas com seu próprio entalo fiscal.
O entalo fiscal brasileiro assume contornos muito distintos do que hoje se observa na Europa e nos EUA. O nível de endividamento público é razoável. E a dinâmica da dívida parece sob controle. Não há risco iminente de insustentabilidade fiscal. O que preocupa não é bem isso. É, de um lado, a elevação sem fim da carga tributária que o regime fiscal em vigor continua a exigir, para que o dispêndio público possa continuar crescendo muito acima do que cresce a economia, em consonância com o projeto político do governo. E, de outro, que a brutal elevação da carga tributária nos últimos 20 anos - de 24% para 36% do PIB - não tenha permitido abrir espaço para um esforço mais vigoroso de investimento público.
Esse quadro fiscal já foi compatível com a manutenção de uma taxa razoável de crescimento econômico. Mas, nos últimos anos, passou a sufocar a expansão, como bem mostra a perda de dinamismo da indústria. O que hoje se vê é uma economia claramente sobretaxada, com carências gritantes de investimento, que não pode contar com o governo para aliviar suas deficiências de infraestrutura. O apelo a concessões poderia, sim, minorar o problema, a partir de 2014, se o governo estivesse disposto, de fato, a atrair investidores capazes de aportar volumes substanciais de recursos efetivamente privados à infraestrutura. Mas o que vem sendo contemplado é algo bem diferente: atração de empresas privadas que possam levar adiante projetos de investimento quase integralmente financiados pelo BNDES, com repasses de recursos do Tesouro advindos da emissão de dívida pública. O governo continua apostando no prolongamento de um quadro de fartura fiscal que já desapareceu de cena.
Ao final de dois anos de crescimento econômico medíocre, as contradições do atual regime fiscal estão exacerbadas. Embora já não seja mais possível manter a arrecadação crescendo como antes, o gasto público continua em franca expansão, muito acima do crescimento do PIB. E, a julgar pela proposta orçamentária para 2013, contenção de gastos não é exatamente o que o governo tem em mente para o ano que vem.
Não é difícil vislumbrar o entalo que pode se configurar. Num quadro em que os investidores privados permaneçam céticos, as concessões custem a deslanchar e o governo continue incapaz de cumprir a contento a parte que lhe cabe no esforço de investimento, a retomada de 2013 pode se revelar bem mais débil do que o Planalto espera. E mais um ano com a economia patinando será péssima notícia para as contas públicas.
Mesmo numa economia anêmica, contas públicas em deterioração podem, sim, trazer pressões à inflação. Especialmente quando a expansão da oferta está limitada pela escassez de mão de obra e pelas deficiências de infraestrutura. Basta ter em conta a taxa de inflação em 2012, com um crescimento do PIB da ordem de 1,5%. É bem provável que, em 2013, tais pressões ponham em xeque a firme determinação do governo de evitar a todo custo que o Banco Central volte a elevar a taxa básica de juros.
O governo tem mostrado grande resistência em reconhecer as dificuldades de dar sobrevida a um regime fiscal que continua a exigir elevação sem fim da carga tributária, e nem mesmo assegura a manutenção de esforço minimamente razoável de investimento público. A resistência é compreensível. O que está em jogo é a essência do projeto político do governo.
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