O GLOBO - 02/09
O arco-íris foi lindo, mas o desconforto que representa para mim ter que usar muitas camadas de roupa atrapalhou. Meu quarto fica de frente para o Oceano Atlântico, e as invisíveis frestas das janelas deixam entrar um incessante ar gelado. Sinto-me num cinema. Lugar onde vou para amar o que vejo e odiar a temperatura. Não sei se é por causa do aquecimento global, mas acho que os invernos cariocas têm começado cada vez mais tarde.
F ala-se muito do calor que se sofre no Rio (na verdade, por apenas um mês e meio ele se aproxima do insuportável, mas isso faz parte do período do ano que passo na Bahia). Meus amigos europeus ou argentinos, canadenses ou ameri- canos em geral dizem sofrer mais frio aqui do que em seus países de origem. Os que vão a Sampa ou Curitiba no nosso inverno então, nem se fala. É que, sendo um país oficialmente tropical, só recentemente começamos a fazer uso de algum tipo de aquecimento em recintos fechados. Na última vez que fui a Curitiba observei que o aeroporto de lá, novo, não tinha aquecimento. Ora, Curitiba tem temperaturas londrinas. Ninguém em Londres passa frio em táxis, shoppings ou aeroportos. De minha parte, passo frio aqui até no verão - às vezes principalmente no verão.
Por que cinemas e restaurantes têm de ser gelados? A gente vai a um lugar para ficar sentado por cerca de duas horas (hoje em dia, quase sempre por mais de duas horas, já que os filmes americanos são indefectivelmente mais longos do que precisam e do que merecem, exceção feita aos de Woody Allen, que continua escrevendo para a velha hora e meia dos filmes dos anos 1940), parado, calado - e a temperatura é sempre ridiculamente baixa. Há algo de muito brega nisso. É como milkshake grosso que não passa pelo canudo: se o cinema não estiver produzindo pneumonias em idosos (sou idoso) o freguês acha que não está sendo bem servido. Deveria haver um limite legal para isso.
Digamos: 24 graus. Para que ficar numa sala com 17 graus de temperatura? E que tristeza ter de levar, no calor, casacos grossos no braço e calçar meias de lã. O mesmo se dá (não com a mesma invariabilidade) em restaurantes. A gente carrega uma tralha de abrigos para aguentar ficar com uns amigos esperando um risoto de cogumelo. O risoto esquenta mais do que pipoca, mas ainda as- sim...
Cresci numa cidade quentíssima. Embora lá faça frio no inverno como não faz em Salvador, Santo Amaro, também diferentemente da capital, é um forno no verão. Mesmo assim, minha mãe dizia para eu não sair à noite sem um pulôver (ela usava a palavra) por causa do sereno - mesmo em janeiro. Aprendi a gostar de frio: em Sampa, Buenos Aires ou Porto Alegre, prefiro estar nas épocas frias. É que há charme na diferença. Mas prefiro o calor.
Quero dizer: nunca moraria em São Francisco, a cidade californiana onde nunca faz calor. Preciso ter o calor como base. Frio é curtição esporádica.
Mas com esses cinemas e restaurantes gélidos (hoje em dia também ônibus e táxis), dificilmente posso continuar de sandálias e camiseta se quiser sair de casa.
Nelson Rodrigues dizia ter certeza de que não se sentia calor quando ele era novo. Quando eu ainda era moderninho, as pessoas se queixavam bem menos de calor. Hoje, se não faz frio já começo a ouvir gente chiando das altas temperaturas. Já eu adoro poder levantar da cama e pôr o pé nu no chão nu. Quando não tenho tempo de curtir esse estado (e quase nunca tenho, já que saio quase todos os dias pouco depois de acordar), sinto falta. E vejo o frio cada vez mais se intrometendo na primavera. Mas estou na onda da primavera. Vou fazer esse show chamado "Primavera carioca" para o , qual convidei Chico Buarque. Até o ar-condicionado dos cinemas (me esqueci de falar nos teatros e casas de show, mas estes, em geral, não chegam à sibéria dos multiplexes) vai esquentar. Convenci Chico a fazer um número de violão. Será uma aparição única e especialíssima. O Trio Preto+1, de Pretinho da Serrinha e Companhia, expressará o calor em sua música. A maior parte do tempo estarei sozinho com meu violão, cantando coisas do Rio e outras. Tudo isso porque quero oferecer a renda desse espetáculo à campanha de Marcelo Freixo, que nunca aprovaria (desaprovou) a queima da bandeira de um país e cuja lei que reconhece o valor cultural dos bailes funk não desautoriza as leis de silêncio e outras.
Resultou injusto o que escrevi na semana passada sobre Gustavo Alonso. Eu me referia a algo implícito nas perguntas que ele me fez e pareceu que considero seu livro sobre Simonal um vale-tudo simplista, tudo o que o livro não é. Alonso complexifica a discussão sobre o fim da vida daquele grande cantor. Deve ser lido.
F ala-se muito do calor que se sofre no Rio (na verdade, por apenas um mês e meio ele se aproxima do insuportável, mas isso faz parte do período do ano que passo na Bahia). Meus amigos europeus ou argentinos, canadenses ou ameri- canos em geral dizem sofrer mais frio aqui do que em seus países de origem. Os que vão a Sampa ou Curitiba no nosso inverno então, nem se fala. É que, sendo um país oficialmente tropical, só recentemente começamos a fazer uso de algum tipo de aquecimento em recintos fechados. Na última vez que fui a Curitiba observei que o aeroporto de lá, novo, não tinha aquecimento. Ora, Curitiba tem temperaturas londrinas. Ninguém em Londres passa frio em táxis, shoppings ou aeroportos. De minha parte, passo frio aqui até no verão - às vezes principalmente no verão.
Por que cinemas e restaurantes têm de ser gelados? A gente vai a um lugar para ficar sentado por cerca de duas horas (hoje em dia, quase sempre por mais de duas horas, já que os filmes americanos são indefectivelmente mais longos do que precisam e do que merecem, exceção feita aos de Woody Allen, que continua escrevendo para a velha hora e meia dos filmes dos anos 1940), parado, calado - e a temperatura é sempre ridiculamente baixa. Há algo de muito brega nisso. É como milkshake grosso que não passa pelo canudo: se o cinema não estiver produzindo pneumonias em idosos (sou idoso) o freguês acha que não está sendo bem servido. Deveria haver um limite legal para isso.
Digamos: 24 graus. Para que ficar numa sala com 17 graus de temperatura? E que tristeza ter de levar, no calor, casacos grossos no braço e calçar meias de lã. O mesmo se dá (não com a mesma invariabilidade) em restaurantes. A gente carrega uma tralha de abrigos para aguentar ficar com uns amigos esperando um risoto de cogumelo. O risoto esquenta mais do que pipoca, mas ainda as- sim...
Cresci numa cidade quentíssima. Embora lá faça frio no inverno como não faz em Salvador, Santo Amaro, também diferentemente da capital, é um forno no verão. Mesmo assim, minha mãe dizia para eu não sair à noite sem um pulôver (ela usava a palavra) por causa do sereno - mesmo em janeiro. Aprendi a gostar de frio: em Sampa, Buenos Aires ou Porto Alegre, prefiro estar nas épocas frias. É que há charme na diferença. Mas prefiro o calor.
Quero dizer: nunca moraria em São Francisco, a cidade californiana onde nunca faz calor. Preciso ter o calor como base. Frio é curtição esporádica.
Mas com esses cinemas e restaurantes gélidos (hoje em dia também ônibus e táxis), dificilmente posso continuar de sandálias e camiseta se quiser sair de casa.
Nelson Rodrigues dizia ter certeza de que não se sentia calor quando ele era novo. Quando eu ainda era moderninho, as pessoas se queixavam bem menos de calor. Hoje, se não faz frio já começo a ouvir gente chiando das altas temperaturas. Já eu adoro poder levantar da cama e pôr o pé nu no chão nu. Quando não tenho tempo de curtir esse estado (e quase nunca tenho, já que saio quase todos os dias pouco depois de acordar), sinto falta. E vejo o frio cada vez mais se intrometendo na primavera. Mas estou na onda da primavera. Vou fazer esse show chamado "Primavera carioca" para o , qual convidei Chico Buarque. Até o ar-condicionado dos cinemas (me esqueci de falar nos teatros e casas de show, mas estes, em geral, não chegam à sibéria dos multiplexes) vai esquentar. Convenci Chico a fazer um número de violão. Será uma aparição única e especialíssima. O Trio Preto+1, de Pretinho da Serrinha e Companhia, expressará o calor em sua música. A maior parte do tempo estarei sozinho com meu violão, cantando coisas do Rio e outras. Tudo isso porque quero oferecer a renda desse espetáculo à campanha de Marcelo Freixo, que nunca aprovaria (desaprovou) a queima da bandeira de um país e cuja lei que reconhece o valor cultural dos bailes funk não desautoriza as leis de silêncio e outras.
Resultou injusto o que escrevi na semana passada sobre Gustavo Alonso. Eu me referia a algo implícito nas perguntas que ele me fez e pareceu que considero seu livro sobre Simonal um vale-tudo simplista, tudo o que o livro não é. Alonso complexifica a discussão sobre o fim da vida daquele grande cantor. Deve ser lido.
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