CORREIO BRAZILIENSE - 08/09
Na briga por votos, nem amores partidários legítimos resistem. Imagine então os pequenos flertes entre Dilma Rousseff e Fernando Henrique. Era mesmo uma relação fadada ao fracasso
Depois de longos meses de flertes e elogios rasgados, Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso se estranham e jogam para longe o que teóricos e incautos festejaram como um dos períodos mais saudáveis da nossa democracia. Um tempo em que um ex-presidente e uma presidente, de partidos adversários em todas as esferas eleitorais, trocavam gentilezas, em gestos e palavras.
Nada é para sempre, mas nesse caso — ou melhor, nessa relação enviesada entre uma petista e um tucano — havia prazo definido e anunciado para o fim. Um prazo de menos de dois anos, com o início da campanha municipal. Nela, refiro-me à briga por votos, nem amores partidários legítimos são capazes de resistir aos ataques combinados. O que vem a seguir são rancores e xingamentos.
O racha, como se sabe, começou por causa de um artigo escrito por Fernando Henrique e publicado no último domingo com o título Herança pesada. O ex-presidente tucano afirmou que o antecessor de Dilma, Luiz Inácio Lula da Silva, desperdiçou oportunidades econômicas e promoveu uma crise moral com o mensalão — o melhor mote para atacar e desestabilizar qualquer petista.
“O mensalão é outra dor de cabeça. De tal desvio de conduta a presidenta passou longe e continua se distanciando. Mas seu partido não tem jeito. Invoca a prática de um delito para encobertar outro: o dinheiro desviado seria ‘apenas’ para o caixa 2 eleitoral, como disse Lula em tenebrosa entrevista dada em Paris, versão recém-reiterada ao jornal The New York Times”.
A primeira reação de Dilma veio na segunda-feira, em nota oficial. Num texto duro, ela disse que não reconhecer os avanços do país nos últimos 10 anos “é uma tentativa menor de reescrever a história”. Na quinta-feira, durante pronunciamento no rádio e na TV, outro ataque. Sem citar Fernando Henrique, a presidente atacou as concessões da gestão tucana à iniciativa privada.
Símbolos
Os movimentos de Dilma contra a administração de Fernando Henrique são simbólicos por dois motivos caros ao PT. O primeiro é o mais óbvio e simples de explicar: os candidatos petistas correm cada vez mais o risco de se esborracharem nas urnas, perdendo espaço nas capitais e principalmente no Nordeste, onde — até as eleições passadas — residia grande parte da força de Lula.
Se a estratégia do PSDB e do DEM é levantar o mote do mensalão, é preciso que os petistas — entre eles, a própria Dilma — contra-ataquem. O problema é que, com as condenações confirmadas sessão a sessão no Supremo, defender mensaleiro ficou cada vez mais difícil. Assim, os petistas voltaram a bater nas privatizações tucanas e nos acertos dos programas sociais de Lula.
O segundo motivo é mais intricado. As duas ações da presidente contra Fernando Henrique em menos de uma semana foram oferecidas à plateia petista, dividida entre dilmistas e lulistas. Os ataques entre os dois grupos chegaram ao limite com a ausência de Lula na guerra travada entre o Planalto e os sindicatos e com a distância de Dilma na campanha de Fernando Haddad, em São Paulo.
A guerra entre dilmistas e lulistas ocorre por conta de uma acomodação de poder. Torcedores de Lula perderam acesso ao Palácio do Planalto e começaram a chiar. Com os índices de popularidade de Dilma, a chance de candidatura à reeleição torna-se cada vez mais próxima, o que escantearia ainda mais os lulistas do poder. Um quadro cada vez mais tenso, de vaca desconhecendo bezerro.
O movimento de Dilma é, assim, uma tentativa de acalmar os lulistas. Os camaradas não poderão dizer que ela aceitou calada as provocações de Fernando Henrique. Ao contrário, em vez de pedir a um ministro para bater boca com o tucano, soltou uma nota oficial, deixando claro que a maior autoridade do país defende o ex-presidente Lula. Mexeu com ele, mexeu com ela.
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