O mensalão chegou à sala de jantar e virou debate obrigatório nas rodas de bate-papo. Melhor assim. Um julgamento que aproxima o cidadão comum do Judiciário. A democracia agradece
Há um trecho da peça 12 homens e uma sentença em que um jurado pergunta ao outro: e se você fosse o réu? É uma provocação na tentativa de um mostrar que o processo — envolvendo um filho acusado de assassinar o pai — apresenta uma série de erros. Ou supostos erros. Até ali, nada está muito claro.
Em tempos de mensalão, a questão é outra: e se você fosse o juiz? Tirando um ou outro voto mais empolado de um magistrado, a transmissão das sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) nos leva ao centro da Corte, torcendo pelos votos de condenação e absolvição, a depender da plateia.
É emblemático que a peça 12 homens e uma sentença, escrita inicialmente para a tevê pelo norte-americano Reginald Rose (1920-2002), esteja em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. Apenas 4km separam o palco do plenário. As comparações não param aí. O mensalão é pop, pois.
Como na máxima futebolística — de que no Brasil temos 193 milhões de técnicos, em números atualizados pelo IBGE —, temos agora 193 milhões de juízes. O mensalão é a nossa Copa, nossa Olimpíada, nossa conversa de trabalho, de casa ou do boteco. Mensalão em todas as rodas de Brasília.
Nas últimas três semanas, deixamos de ser o país da bola e passamos a ser o país dos juristas. Quem ainda não deu um pitaco sobre o julgamento que atire o primeiro martelo. Na prática, o mensalão aproximou o cidadão de um mundo até então distante, com ritos e vocabulários próprios.
Sala de jantar
Independentemente das condenações e das penas, a clareza do voto do ministro Cezar Peluso mostrou como é possível trazer as decisões jurídicas para a sala de estar. Assim, os ministros viraram estrelas, a ponto de começar a circular nas redes sociais piadas relacionando as sessões às novelas de televisão.
Em poucos momentos da história deste país, os ministros ganharam tanto destaque, durante tanto tempo — que o diga Joaquim Barbosa, o relator do processo, e Ricardo Lewandowski, o revisor. Se é para desmistificar a magistratura, que assim seja. Não há qualquer risco de tal coisa atrapalhar a democracia.
Mas, de volta, à peça, 12 homens e uma sentença mostra como as idiossincrasias dos jurados podem interferir no julgamento — para bem ou mal do réu. Um dos personagens, por exemplo, só se convence da inocência do acusado no fim do espetáculo, depois de expor o conflito com o próprio filho.
A vida do camarada influencia a decisão como jurado. Uma proximidade às avessas. O personagem, interpretado pelo ator Zecarlos Machado, revela que a “certeza” na culpa do réu — que nunca viu — está na raiva que sentia pelo filho. A proximidade — ou o temor dela — também existia no mensalão.
O fato, entretanto, é que seis dos magistrados indicados pela presidente Dilma Rousseff e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva votaram pela condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP): Peluso, Barbosa, Ayres Brito, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber. Os votos frustaram os petistas.
“Com tantos ministros indicados por Lula e Dilma, só dois votaram contra a condenação”, disse um cacique do PT à reportagem deste Correio. Outro chegou a cantar um samba: “Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão”. Melhor — aliás, muito melhor — assim. Como disse Peluso, nenhum juiz condena ninguém por ódio. Ou muito mesmo deveria absolver, digo eu, por suposto amor.
Outra coisa
Por último, a peça e o julgamento do mensalão se relacionam por conta do texto de Arnaldo Malheiros no panfleto do programa de 12 homens… O homem, como se sabe, é advogado do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, acusado pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha. Enquanto a peça fica em cartaz até a próxima semana, o destino de Delúbio deverá ser conhecido em 15 dias.
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