FOLHA DE SP - 25/08
RIO DE JANEIRO - Nas muitas entrevistas a que fui solicitado a dar sobre Nelson Rodrigues nas últimas semanas, algumas perguntas, de tão recorrentes, me fizeram pensar melhor. Uma delas, sobre se Nel-son seria universalmente reconhecido se tivesse escrito em inglês ou espanhol. A resposta, óbvia, é sim. Minha dúvida é se, escrevendo nessas línguas, ele seria o mesmo Nelson Rodrigues.
Se escrevesse nessas línguas, Nelson não seria brasileiro, mas americano, argentino, chileno ou guatemalteco, com outra formação, família, ambientes, talvez até outra história. Esse Nelson teria a mesma paixão e compaixão por seu universo de adúlteros, tarados, cínicos, virgens, prostitutas, grã-finos, cabeças de bagre e santos de vitral? E a cultura desses povos lhe permitiria a promiscuidade de alternar teatro, jornal, cinema, televisão e estádios de futebol?
Descartada a hipótese de um Nelson Rodericks ou Rodríguez, resta a alternativa: então, por que não o traduzem? Isso já foi tentado diversas vezes, com resultados duvidosos. Não por ser difícil verter "Eu não disse? Batata!", "Nervoso, os colarinhos!" ou "Não dá bola, não dá pelota!" para outras línguas -na verdade, não é-, mas por Nelson ser tão escandalosamente brasileiro.
Seus personagens é que são intraduzíveis. Tuninho, o marido de "A Falecida", talvez pudesse ter sido criado por Fellini, e Dr. Werneck, o pai de "Bonitinha, mas Ordinária", por Buñuel -mas não teriam sido levados às últimas consequências, como o foram por Nelson. E quem mais teria concebido os seres que povoam "Álbum de Família", "Dorotéia", "Senhora dos Afogados", "Anjo Negro"?
Se existe uma tragédia universal, estabelecida por Shakespeare, Ibsen, O"Neill, Nelson situou nela o homem brasileiro. E, se o mundo não entende português para se maravilhar com ele, pior para o mundo.
Se escrevesse nessas línguas, Nelson não seria brasileiro, mas americano, argentino, chileno ou guatemalteco, com outra formação, família, ambientes, talvez até outra história. Esse Nelson teria a mesma paixão e compaixão por seu universo de adúlteros, tarados, cínicos, virgens, prostitutas, grã-finos, cabeças de bagre e santos de vitral? E a cultura desses povos lhe permitiria a promiscuidade de alternar teatro, jornal, cinema, televisão e estádios de futebol?
Descartada a hipótese de um Nelson Rodericks ou Rodríguez, resta a alternativa: então, por que não o traduzem? Isso já foi tentado diversas vezes, com resultados duvidosos. Não por ser difícil verter "Eu não disse? Batata!", "Nervoso, os colarinhos!" ou "Não dá bola, não dá pelota!" para outras línguas -na verdade, não é-, mas por Nelson ser tão escandalosamente brasileiro.
Seus personagens é que são intraduzíveis. Tuninho, o marido de "A Falecida", talvez pudesse ter sido criado por Fellini, e Dr. Werneck, o pai de "Bonitinha, mas Ordinária", por Buñuel -mas não teriam sido levados às últimas consequências, como o foram por Nelson. E quem mais teria concebido os seres que povoam "Álbum de Família", "Dorotéia", "Senhora dos Afogados", "Anjo Negro"?
Se existe uma tragédia universal, estabelecida por Shakespeare, Ibsen, O"Neill, Nelson situou nela o homem brasileiro. E, se o mundo não entende português para se maravilhar com ele, pior para o mundo.
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