FOLHA DE SP - 29/07
O realismo não é chato só nas artes plásticas; não se faz arte para imitar a vida, mas sim para inventá-la
Peço que o leitor me desculpe se ando escrevendo demais sobre artes plásticas. É que, ligado a elas como sou, de vez em quando me pego refletindo sobre o assunto. Foi o que ocorreu há pouco, quando visitei a exposição de Eliseu Visconti, no Museu Nacional de Belas Artes.
Estava apenas esperando uma oportunidade para ir vê-la, desde que recebi o convite para o vernissage: ele trazia a reprodução de um retrato pintado pelo artista, que sempre me fascina quando o vejo. Assim que, logo que pude, fui ao
MNBA e não me arrependi. Pelo contrário, vi confirmada minha convicção de que Visconti, embora nascido na Itália, é um dos maiores pintores brasileiros.
A exposição reuniu obras do acervo do museu, da Pinacoteca do Estado de São Paulo e de coleções particulares. Embora esteja longe de ser completa, nos deu uma visão bastante ampla da obra do artista em suas diferentes fases. Nas pinturas mais antigas, do final do século 19, ele se mostra um pintor realista, que é a fase menos interessante de sua obra.
Não por culpa sua, pois já ali se mostra um excelente pintor, pela composição, a qualidade do desenho e domínio da linguagem pictórica propriamente dita. O defeito está no caráter realista das obras. Pode ser apenas, no que me diz respeito, uma questão de gosto, mas o que ocorre é que a preocupação com a cópia fiel das figuras torna a pintura menos fascinante, ao trocar a imaginação criativa e poética pela fidelidade ao real.
A verdade é que há muitos tipos de realismo pictórico e que, também aí, pesam certas qualidades do artista. Velásquez, por exemplo, era um barroco realista e, em algumas obras, não alcançou a transcendência poética. Não é o caso, obviamente, da obra-prima "As Meninas", porque, nesse quadro, apesar do realismo das figuras, a relação espaço-tempo que ele estabeleceu ali supera a imitação realista: é que ele nos mostra, a um só tempo, as figuras que pintara, como se fossem os modelos do que ainda estaria pintando na tela, cujo avesso nos é mostrado ali.
Mas o realismo não é chato apenas nas artes plásticas; ele o é também na literatura. Pelo menos para mim, pois acho que não se faz arte para imitar a vida, e sim para inventá-la. A realidade é pouca.
Por isso mesmo, a pintura de Eliseu Visconti ganha qualidade à medida em que abandona o procedimento acadêmico -iminentemente imitativo- para abrir-se ao impressionismo, que em seus quadros adquire uma poética própria. Inicialmente, há uma fase de passagem do estilo realista, que busca a imitação da realidade, a uma linguagem pré-impressionista, em que, aos poucos, um uso novo da cor e da luz se manifesta.
Como se sabe, o impressionismo nasce quando o pintor deixa de pintar dentro de casa -ou no ateliê- para pintar "à pleine aire", ou seja, à luz do dia. A relação de sombra e luz é substituída pela cor irradiante, nascida da vibração da luz solar sobre a superfície das coisas. Isso durante etapa desse movimento pictórico, porque, no final, algumas das obras de Monet (como "Nenúfares") já estão impregnadas da subjetividade simbolista.
Pois bem, a esse simbolismo se vinculará a pintura de Visconti na etapa áurea de sua obra, que se estenderá até 1944, ano de sua morte. Nesta última fase, o pontilhismo impressionista se muda em pinceladas mais amplas. Visconti é quem faz a transição, na pintura brasileira, do academicismo do final do século 19 ao modernismo, que nasce, historicamente, com Anita Malfatti na exposição que fez em 1919, em São Paulo.
Não quero terminar este registro sem mencionar uma observação que fiz, alguns anos atrás, quando reuniram obras de pintores brasileiros do modernismo e da etapa imediatamente anterior. Ali estava uma obra de Eliseu Visconti e o conhecido autorretrato de Tarsila do Amaral. Embora seja eu fã de nossa pintora modernista, não pude deixar de reconhecer a diferença de qualidade artística entre as duas obras. O quadro de Visconti ali exposto, comparado ao de Tarsila, era indiscutivelmente melhor.
Não se trata aqui de diminuir a importância de Tarsila que, naquele momento, abria um caminho novo para nossa pintura. Mas não se deve confundir o papel histórico com valor estético. Como disse Picasso, toda arte é atual.
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