O GLOBO - 06/07
A montagem das alianças políticas para a eleição municipal está explicitando os piores defeitos do sistema partidário brasileiro, a começar pela troca de minutos de propaganda eleitoral por apoios pontuais, com a truculência das direções nacionais impondo decisões aos órgãos municipais, sem respeitar interesses locais nem eventuais programas de governo.
Em Belo Horizonte, onde o PT e o PSDB disputarão uma eleição separados depois de uma aliança vitoriosa que elegeu Marcio Lacerda, do PSB, prefeito da capital mineira, cada partido acusa o outro de ter rompido a aliança querendo nacionalizar a disputa.
Da parte do governo, a própria presidente Dilma Rousseff entrou no jogo para levar o PMDB e o PSD a apoiar a candidatura do petista Patrus Ananias.
Do lado do PSDB, o senador Aécio Neves manobrou para separar o PSB do PT, aproveitando a maneira insaciável que os petistas têm para fazer alianças.
O PT já tem a grande maioria dos cargos da prefeitura, há quem diga que ocupa 70% dos cargos públicos, e queria fazer uma chapa única de vereadores para se aproveitar da força do PSB e do PSDB locais.
O PMDB, instado por Dilma e louco para demonstrar sua lealdade governista, abriu mão da candidatura própria, dizem que em troca de mais um ministério para a base mineira do partido, o que incluiria o ex-governador Newton Cardoso e o ex-candidato Hélio Costa.
É provável que haja dissidências internas, assim como aconteceu no PSD mineiro, que rejeitou a intervenção no diretório municipal e fez uma ata apoiando a candidatura de Marcio Lacerda, o que certamente levará a uma disputa judicial.
Mesmo rompido com a atual administração, é pouco provável que os muitos servidores ligados ao PT deixem em bloco seus lugares no governo de Belo Horizonte, pois esta é outra característica dos acordos partidários: a inércia faz com que, mesmo depois de um rompimento, muitos dos "dissidentes" continuem nos cargos, pelo menos por algum tempo.
O PCdoB votou para ficar com a candidatura de Marcio Lacerda, mas houve uma intervenção nacional, e o partido apoiará o candidato petista, juntamente com o PMDB, mas ambos os partidos com constrangimentos evidentes, submetidos a uma intervenção.
Em São Paulo, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, garantiu o PSB para apoiar o candidato de Lula, mas teve que fazer uma intervenção branca, pois a maioria queria apoiar a candidatura do tucano Serra.
Mas, seguindo a tradição, todos continuam no governo do tucano Geraldo Alckmin, mesmo tendo aderido ao petista Fernando Haddad: Maluf continua com seus cargos; o PSB continua; PCdoB continua; Paulinho da Força lançou-se candidato pelo PDT, mas está no governo; Soninha Francine é candidata do PPS à prefeitura, mas continua no governo estadual do PSDB.
E vamos ter nestas eleições imagens que certamente, se não confundirão, pelo menos divertirão os eleitores: o PSDB mineiro já começou a selecionar cenas recentes em que a presidente Dilma elogia Marcio Lacerda em uma inauguração, chamando-o de o melhor prefeito do Brasil.
No Rio de Janeiro, em pleno julgamento do mensalão, veremos imagens do atual prefeito carioca, Eduardo Paes, quando era secretário-geral do PSDB, em atividade na CPI do Mensalão, criticando até mesmo os filhos do ex-presidente Lula, de quem hoje é aliado.
E o então deputado Gustavo Fruet, também no PSDB, será mostrado, em Curitiba, na CPI do Mensalão criticando o PT e o governo do qual agora é aliado, como candidato do PDT à prefeitura, com o apoio do PT.
A decisão do Supremo em relação ao PSD pode estimular a deslealdade, com criação de novos partidos, mas era inevitável que o candidato carregasse o tempo. O problema é que se criou um mercado eleitoral onde tudo é comprado, e tudo é vendido.
A divisão do tempo proporcional na propaganda eleitoral para rádio e televisão virou um cartório, como tudo na política brasileira vira cartório.
A verba de partido, que o PSD também ganhou, é manipulada pela direção nacional de todos os partidos, torna-se um instrumento de perpetuação de poder.
O horário eleitoral foi criado com a intenção de democratizar o acesso dos candidatos ao eleitorado, nenhum cérebro maligno montou aquilo em que acabou se transformando.
Virou uma mercadoria cara que vulgarizou a política. A parte mais cara de qualquer campanha eleitoral é a da televisão, o que inflaciona seus preços.
Os marqueteiros, as agências de publicidade têm um mercado valiosíssimo, e não é um mercado concorrencial, não há mais que meia dúzia de especialistas.
Monta-se uma estrutura caríssima para funcionar apenas durante o curto período da campanha eleitoral de rádio e televisão.
No julgamento do TSE que decidiu dar o tempo e o fundo partidário para o PSD de acordo com a bancada que conseguiu reunir na sua fundação, os ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello propuseram que o tempo fosse dividido igualmente entre todos os candidatos.
Mas essa é uma solução que, embora pareça justa, não dá para ser adotada por causa dos partidos nanicos. Em São Paulo, por exemplo, concorrem 12 candidatos, e por isso não é possível fazer debate no primeiro turno.
Os nanicos "venderiam" seu tempo por muito mais do que "vendem" hoje se tivessem a mesma exposição que os maiores partidos.
A questão é não deixar esses nanicos entrarem na divisão do tempo de propaganda, com a aprovação de cláusulas de barreira. Essa divisão de tempo, que se reflete em acordos políticos espúrios e num estímulo à infidelidade partidária, é um dos grandes obstáculos para a consolidação da democracia e o aperfeiçoamento do processo eleitoral no Brasil.
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