FOLHA DE SP - 17/07
Suspeitas de sobrepreço na ferrovia Norte-Sul reeditam episódio de 25 anos atrás e mostram enraizamento de corrupção em obras públicas
O que há de mais deplorável nos indícios de superfaturamento em obras da ferrovia Norte-Sul não são os desvios episódicos, embora milionários, apontados pela Polícia Federal. A maior consternação advém, ao contrário, daquilo que há de universal neste caso particular.
Que exista corrupção em contratos firmados com governos não é novidade. Há tempos sabe-se que agentes públicos e privados buscam acertos benéficos para as partes envolvidas, mas prejudiciais para a sociedade.
Ao longo do ano passado, a suposta "faxina" do governo Dilma Rousseff atingiu em cheio o Ministério dos Transportes. Um dos principais motivos para a demissão da cúpula da pasta, incluindo o ministro, foram as acusações de superfaturamento em obras tocadas por empresas estatais.
O histórico de desvios nos Transportes, porém, remonta a um passado mais longínquo. Em 1987, por exemplo, reportagem de Janio de Freitas nesta Folha marcou época ao revelar irregularidades na mesma ferrovia Norte-Sul: "Foi fraudulenta e determinada por corrupção a concorrência pública (...) para a construção da ferrovia Maranhão-Brasília (ou Norte-Sul)".
A divulgação do jogo de cartas marcadas levou o governo Sarney a anular os resultados da licitação -já àquela época comandada pela Valec, estatal ligada aos Transportes. Os responsáveis pela falcatrua, no entanto, não foram punidos.
É difícil crer que seja apenas uma triste coincidência o fato de, 25 anos depois, a Valec se vir diante de suspeitas envolvendo a mesma ferrovia Norte-Sul.
Segundo laudos da Polícia Federal, há indícios de conchavo entre as construtoras encarregadas da obra e sobrepreço de mais de R$ 100 milhões no trecho da ferrovia que atravessa Goiás.
A Polícia Federal suspeita ainda que José Francisco das Neves, o Juquinha, que foi presidente da Valec de 2003 a 2011, tenha feito o patrimônio da família chegar a R$ 60 milhões graças a recursos desviados da estatal.
Como em tantos eventos semelhantes, as pessoas físicas e jurídicas envolvidas nesse caso negam as irregularidades. A presunção de inocência é um dispositivo fundamental na democracia.
Se as suspeitas se revelarem pertinentes, também não haverá surpresa -será mais um entre tantos episódios de corrupção. Lamentável é que a repetição desse enredo tenha se tornado tão escandalosamente corriqueira.
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