FOLHA DE SP - 27/07
RIO DE JANEIRO - No romance "Um Estudo em Vermelho", Conan Doyle conta como Sherlock Holmes e o dr. Watson se conheceram, foram morar juntos e, em pouco tempo, Watson constatou a ignorância do parceiro em certas disciplinas -literatura, política, astronomia. Pior: Sherlock nunca ouvira falar de Copérnico e não sabia que a Terra girava em torno do Sol.
"Que um homem civilizado desconheça este fato em pleno século 19 me parece extraordinário", exclamou Watson. "Pois, agora que fiquei sabendo, vou fazer o possível para esquecer", respondeu Holmes. E, ante a perplexidade de Watson: "Você diz que giramos em torno do Sol. Se girássemos em torno da Lua, não faria diferença para mim e para meu trabalho". E explicou a Watson sua teoria de que o cérebro é como um sótão que, se atulhado de objetos -ou informações-, impede que se encontre o de que precisamos.
Lembrei-me de Holmes quando a imprensa noticiou a recente descoberta do bóson de Higgs com um entusiasmo que só costuma dedicar às grandes catástrofes, como tsunamis, desabamentos, chacinas. Era como se fosse um evento esperado há séculos e que finalmente tivesse acontecido. Num primeiro momento, como todo mundo, regozijei-me e vibrei -até concluir que, apesar das explicações e dos gráficos, não entendia tostão do que estavam falando.
É verdade que minha própria ignorância sobre as novidades da tecnologia está chegando a níveis preocupantes. A primeira vez que ouvi falar de "aplicativo", por exemplo, achei que se tratava de um novo tipo de esparadrapo.
Apesar disso, estou cultivando um certo carinho pelo bóson. Aliás, já fui grande fã de seus primos mais velhos, os prótons, elétrons e nêutrons -e também nunca soube do que se tratava. Claro que, com tantos e súbitos admiradores, o bóson pode muito bem passar sem mim. E eu sem ele.
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