sexta-feira, julho 27, 2012
Brasil arma ditaduras - RASHEED ABOU-ALSAMH
O Globo - 27/07
Esta semana, mais uma vez, uma fotografia de um cartucho de gás lacrimogêneo brasileiro apareceu na imprensa e reafirmou que a preocupação com os direitos humanos não rege as relações internacionais do Brasil.
A foto, publicada na capa da "Folha de S.Paulo", segunda-feira, mostrava uma criança síria segurando um cartucho de gás lacrimogêneo usado contra refugiados sírios num acampamento na Turquia. Nela se viam mais uma vez a bandeirinha do Brasil e as palavras em inglês "Made in Brazil". Eu digo "de novo" porque o mesmo tipo de cilindro foi encontrado e fotografado em dezembro do ano passado no Bahrein depois de ser usado contra manifestantes pró-democracia. Na época, a empresa brasileira que manufaturou o gás, a Condor Tecnologias Não Letais, negou que tenha exportado qualquer gás para o Bahrein, e sugeriu que poderia ter sido usado pelas forças de segurança das tropas do Conselho de Cooperação do Golfo, que entraram no país para ajudar a família real dos Al-Khalifa a pôr fim às manifestações dos xiitas.
Mas, desta vez, a Condor não tem como negar as suas vendas de armas não letais para a Turquia, porque as estatísticas do próprio governo brasileiro apontam isso. Segundo a "Folha", dados do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior mostram que a Condor exportou armas e munição "não letais" para a Turquia com valor entre US$ 1 milhão e US$ 10 milhões em 2011, e com valores abaixo de US$ 1 milhão em 2008 e 2010.
Eu mandei perguntas para a Condor, e eles confirmaram que o gás usado na Turquia é de fabricação deles. Defenderam o uso do gás, justificando que "a polícia turca conteve um distúrbio que estava ocorrendo em um campo de refugiados utilizando equipamentos não letais, cujos efeitos cessam em pouco minutos. Se não houvesse a opção não letal, mas apenas armas de fogo, decerto o desfecho seria outro". Esta, certamente, não seria a opinião dos pais do bebê de cinco dias que morreu no Bahrein em dezembro, depois de inalar quantidade excessiva de gás lacrimogêneo, segundo uma ativista de lá que eu entrevistei.
Coincidentemente esta semana, na Organização das Nações Unidas, em Nova York, o Brasil está participando das negociações para a formulação de um Tratado de Comércio de Armas, algo inédito. Até hoje não há nenhum tratado internacional que regule a venda de armas no mundo, exceto por vários embargos impostos em países em conflito pelo Conselho de Segurança da ONU. E, mesmo assim, alguns países insistem em fornecer armas para países embargados, como a Rússia faz atualmente com a Síria.
Daniel Mack, coordenador de políticas e controle de armas da ONG Instituto Sou da Paz, em São Paulo, escreveu um documento muito interessante sobre a posição do Brasil perante um tratado de armas e argumenta que o Brasil poderia botar sua suposta preocupação com os direitos humanos na sua política de venda de armas para o exterior, sem prejudicar seus interesses estratégicos ou comercias.
Mack, que está em Nova York esta semana para acompanhar as negociações de perto, não está muito otimista que isso vá acontecer. Escreve: "Outro motivo de preocupação é que, até o momento, o Brasil não apoiou publicamente a inclusão das "armas e equipamentos de segurança interna (letais e menos letais)", protagonistas recentes de abusos e atrocidades contra civis. Tal omissão seria especialmente problemática, pois o Brasil tem significativas exportações deste tipo de equipamento, especialmente da empresa Condor (de Nova Iguaçu, RJ) para supostamente mais de 35 países."
Eu perguntei para ele se o uso de gás lacrimogêneo brasileiro na Turquia era sintomático de um lapso moral no sistema brasileiro de exportação de armas. Ele respondeu que sim.
"Acredito que o sistema para autorizar exportações de armas do Brasil é extremamente complacente com potenciais abusos de direitos humanos", disse Mack. "Eu já escrevi que o Brasil tem obrigação constitucional de "reger-se pelos direitos humanos nas suas relações internacionais", mas não que o Brasil realmente cumpra esta obrigação. Ao contrario, e nas discussões esta semana o Brasil não tem dado nenhuma ênfase ao tema direitos humanos."
Infelizmente, Mack acha que as armas "não letais" vão ser completamente excluídas de um possível tratado de comércio de armas. "As armas não letais certamente serão excluídas. O esboço do texto do tratado que saiu na terça-feira não tem nenhuma menção, e nenhum país esta demandando. O Brasil é contra a inclusão deste tipo de armamento", ele explicou.
Perguntei à Condor se eles tinham pedido ao governo brasileiro para deixar armas não letais fora do tratado. Eles negaram: "Este é um assunto de Estado. Não nos cabe interferir."
Ainda mais assustadoras foram as revelações recentes que o Brasil tem exportado bombas cluster para a Malásia e a Zimbábue, e que o país se recusou a assinar um tratado internacional que proíbe a venda desse tipo de bomba.
Está mais do que claro que o Brasil coloca os seus interesses econômicos e militares acima de qualquer suposta preocupação com direitos humanos. A administração de Dilma Rousseff gosta de se projetar como uma que se preocupa demais com isso, mas as exportações brasileiras de armas letais e "não letais", que estão em constante crescimento, e o desleixo no monitoramento sobre como elas são usadas, contam a história real.
Agora, os brasileiros têm que decidir se querem ser notórios por vender armas para qualquer ditadura brutal ou se querem ser admirados pela sua preocupação pelos direitos humanos. A escolha é simples.
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