A impressão de que o sarampo faz parte das doenças benignas da infância é equivocada
O sarampo se espalha pela Europa, enquanto nas Américas a transmissão foi interrompida em 2002 e o número de casos diminui na África e na Ásia.
A doença é transmitida com facilidade por meio do contato pessoal. Em abril de 2009, um operário búlgaro que trabalhava na construção civil em Hamburgo, na Alemanha, voltou para casa no distrito de Razgrad, no nordeste da Bulgária.
O vírus do sarampo que viajava com ele provocou 24 mil casos da doença e 24 mortes entre seus conterrâneos. O sequenciamento dos genes virais mostrou que, da Bulgária, o vírus retornou para a Alemanha e se disseminou por Turquia, Grécia, Macedônia e outros países do velho continente.
Esse tipo de rastreamento epidemiológico faz parte do esforço europeu para eliminar o sarampo, tarefa possível por meio da vacinação, como provaram mesmo os países mais pobres das Américas, dez anos atrás.
Para os serviços de saúde da Europa, tem sido vergonhosa a incapacidade de eliminar uma enfermidade para a qual existe vacina desde 1963. O projeto de atingir tal objetivo até 2010 foi adiado para 2015, prazo que os epidemiologistas consideram fora da realidade.
Nos últimos três anos, os europeus viram o número de doentes quadruplicar. No ano passado, foram mais de 15 mil apenas na França. Nesse período, surgiram cerca de 37 mil casos novos no continente, 30 mil dos quais na União Europeia, que reúne os países mais ricos do bloco.
Os especialistas temem que o pior esteja por vir, como consequência das aglomerações humanas durante o campeonato europeu de futebol, que acontece na Polônia e na Ucrânia, e a Olimpíada de Londres, daqui a um mês.
A tendência europeia vem na contracorrente. No ano de 2010, ocorreram 68 casos no Brasil; todos eram viajantes ou pessoas que tiveram contato com eles. Nos Estados Unidos foram 222, todos trazidos de fora.
Na África, a mortalidade caiu de 337 mil para 50 mil, nos últimos dez anos. No mesmo período, os óbitos na Índia diminuíram de 88 mil para 66 mil, número que corresponde à metade da mortalidade global.
A impressão de que o sarampo faz parte das doenças benignas da infância é equivocada. Antes da vacina, as complicações provocavam a morte de mais de 2 milhões de crianças por ano, porque o vírus causa depressão imunológica, fragilidade que predispõe a complicações bacterianas e virais.
A vacinação reduziu as dimensões dessa tragédia mundial: em 2010, o número de mortes havia caído para 139 mil.
A epidemia que se alastra pela Europa é particularmente chocante, porque ocorre numa região em que a maioria dos países conta com serviços de saúde que servem de exemplo para os mais pobres. Como explicar?
Para proteger uma população contra o sarampo, pelo menos 95% das pessoas devem ser vacinadas, número que os europeus sempre tiveram dificuldade para atingir, porque, à medida que a enfermidade se tornou mais rara, muitos passaram a subestimar o risco de contraí-la e a superestimar as complicações da vacina (que são mínimas), fenômeno que se repete sempre que uma doença transmissível se torna menos prevalente.
Alguns pais esquecem ou não encontram tempo para vacinar seus filhos, em postos de saúde que geralmente funcionam apenas no horário comercial.
Anos atrás, um gastroenterologista inglês, chamado Andrew Wakefield, alegou que a vacina tríplice contra sarampo, caxumba e rubéola estaria associada a casos de autismo. A divulgação dessa hipótese absurda assustou muitas famílias. Quando ficou demonstrado que ela se baseava em dados fraudulentos, o estrago já estava feito.
Com argumentos de ordem filosófica, certas comunidades antroposóficas, grupos religiosos e ativistas antivacinas (sim, eles existem) convencem seus membros a jamais vacinar os filhos. Por incrível que pareça, algumas dessas seitas têm número significativo de seguidores nos diversos países europeus.
Finalmente, os sistemas de saúde sempre encontraram obstáculos para atingir comunidades que vivem à margem da sociedade, como a dos ciganos, por exemplo.
O fracasso dos europeus no combate ao sarampo reforça a posição do Ministério da Saúde, que defende a necessidade de continuarmos vacinando as crianças brasileiras, mesmo que não surjam casos na vizinhança.
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