FOLHA DE SP - 29/06
A vacuidade da Rodeo Drive se confunde com o Truman Show oferecido em Mônaco ou no Cidade Jardim
QUEM MANDOU ser carente e conversadeira? Agora aguente, sorrindo, as três horas de aluguel que o funcionário aposentado do Departamento de Águas de Los Angeles está lhe aplicando na viagem entre a Cidade do México e seu destino final. Juro que tento demonstrar interesse no relato das férias que ele passou em Cancún a fim de aplacar a dor da perda da mulher, Consuelo, falecida há dois anos.
Mas, meu Deus, onde andará o personagem de Roman Polanski em "Chinatown"? Meu companheiro de voo não trabalhou a vida inteira no departamento de águas? Pois então.
A esta altura, em vez de picotar-me o nariz, queria mais é que a célebre ponta que o diretor fez em seu filme me furasse os tímpanos com seu canivete esperto. Consigo dizer adeus na fila da imigração. Mr. Jackass dá-me um santinho com uma foto über photoshopada de Consuelo e aconselha: "A esta hora, evite a 405 para chegar a Santa Mônica" e toma a fila que diz: "Bem-vindos ao lar". Eu sou obrigada a me aviar para outra bem mais demorada, a dos estrangeiros, que sempre me deixa tão aflita quanto vestiário de academia. Não é o Dick Cheney ali, atrás daquele coluna?
Em um "flash" estou em uma "freeway" de Los Angeles na hora do "rush" ao volante de um "Dodge". Tudo indica que vai ser o "dog" assobiando o "Star-Spangled Banner" e chupando "mango".
A cidade foi inteirinha planejada para o automóvel, há pouca ênfase em transporte público, ninguém usa o metrô, táxi quase inexiste e ônibus raramente se vê passar. O "smog" (poluição) de Los Angeles é conhecido, como também são famosos os efeitos no espírito desse implacável planejamento urbano.
Los Angeles é uma caricatura de papelão, um set de cinema ou TV, uma cidade de anjos desalmados. Woody Allen adora cair matando, é esporte mundial execrar a falta de profundidade dos angelenos. Steve Martin conseguiu extrair alguma aspartame da platitude local em "L.A. Story" e David Lynch meio que perdeu o pé no noir "Mulholland Drive". A estrada homônima é tão inóspita quanto as vias pouco iluminadas de São Paulo e o nome presta homenagem ao engenheiro William Mulholland, que inspirou (vagamente) o personagem Noah Cross (John Huston), o magnata brutal de "Chinatown".
Falo de Los Angeles, mas interessa-me mesmo São Paulo. Já tinha visitado LA outra vez, há muitos anos, e desta achei menos grotesca. Talvez São Paulo tenha piorado em termos de convívio e tornado tudo mais brando. E a vacuidade da Rodeo Drive hoje se confunde com o Truman Show que é oferecido em qualquer Mônaco, Bond Street, Palm Beach ou Cidade Jardim.
A verdade é que o trânsito na hora do rush flui, ninguém deixa de chegar na hora, não se veem motoboys estirados no chão ensanguentados e há estacionamento de graça em todo canto. LA funciona.
Pode-se comer fora por preços decentes, circular em público sem sofrer violência e ninguém vai levar seu filho enquanto você estiver na igreja. E a cidade é bem menos acéfala que Miami. Há cinemas e museus incríveis, livrarias de sonho, lojas de CDs e DVDs como antigamente e parques vistosos.
E eu não sei se, de uma hora para a outra, o angeleno vai entrar em guerra contra quem dirige carro e passar a andar de bicicleta descontroladamente em cima da calçada gritando contra motoristas que pagam seus impostos. Por enquanto, a cidade, criada sob o veio da corrupção e que tinha tudo para ser um inferno, parece um paraíso para quem acaba de chegar de São Paulo.
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