O ESTADÃO - 05/06
Confirmando a decisão do governo, objeto da Medida Provisória n.º 567, de 4/5/2012, que estabeleceu a vinculação da remuneração da poupança à taxa básica de juros para novos depósitos, na quinta-feira o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a taxa Selic para 8,5%. Qualquer pessoa atenta ao processo decisório de governo interpretaria, naquela ocasião, que não seria tomada uma medida de tamanha sensibilidade política sem a certeza de sua implementação imediata. Foi o que aconteceu.
Esse episódio inovador ilustra claramente as diferenças na condução da política econômica entre os governos Lula e Dilma Rousseff. Os mais otimistas podem observar que atualmente há maior sintonia entre o Banco Central e o governo e que as políticas monetária e fiscal estão sob a mesma coordenação, cuja meta principal é o crescimento. Os mais realistas veem essas mudanças com apreensão. No governo Lula havia uma dissintonia grande entre o discurso do presidente e a orientação do Banco Central, que centrou o seu foco no controle da inflação, por meio do fortalecimento da política de metas, com resultados extraordinários, até a economia brasileira ser afetada pela crise internacional em 2008.O presidente Lula concedeu ao Banco Central autonomia para dar continuidade à política monetária que restabeleceu a credibilidade do País no âmbito internacional.
Agora é diferente. No governo Dilma há maior sintonia entre o discurso e a prática. A política monetária e, por consequência, o controle da inflação se subordinam aos objetivos da estratégia do governo. Pode ser um jogo de alto risco, principalmente porque a predominância de objetivos de muito curto prazo, como retomar o crescimento da produção industrial por meio do estímulo à demanda, poderá - e certamente irá - aumentar os desequilíbrios da economia brasileira no futuro não tão distante. Observa-se que atualmente a sequência de decisões visa a resultados imediatos sem avaliação de suas repercussões no médio e no longo prazos e sem uma visão sistêmica do funcionamento da economia. É uma política econômica de pronto-socorro.
Seria prudente e mais eficaz se o governo estivesse buscando soluções para estimular a oferta e para eliminar os entraves que limitam o crescimento da economia, como a baixa taxa de investimentos. Nesse contexto, as decisões da política monetária na direção que estão sendo tomadas poderiam ser recebidas com menor grau de ceticismo.
Quero tomar o exemplo da medida sobre a poupança para esclarecer o meu ponto de vista. O mercado financeiro brasileiro carrega ainda hoje duas distorções do período de alta inflação: combinação de liquidez com rentabilidade e indexação. Ao assumir o risco político de corrente da alteração da poupança, o governo deveria adaptar o mercado financeiro a um novo tempo quando a relação dívida pública/Produto Interno Bruto (PIB) e as taxas de juros tendem a cair.
O governo perdeu uma ótima oportunidade para estabelecer um prêmio aos depósitos da poupança por prazos mais longos. Utilizando o mesmo critério para remunerar a poupança com um redutor da Selic, poderia ter sido criado um sistema escalonado. Por exemplo, os depósitos para crédito mensal de rendimentos aufeririam 65% da Selic; para 90 dias, 70%; para 180 dias, 75%; e para 360 dias, 80%. Vale lembrar que, mesmos em um sistema explícito, na configuração atual, os depósitos da poupança anterior que obtêm ganhos superiores aos da nova modalidade tenderão a ficar por um prazo maior,por causa do custo de oportunidade de sua movimentação e dos critérios para resgate da Circular n.º 3.595, do Banco Central.
Mais uma vez, perdeu-se a oportunidade para corrigir distorções passadas e dar maior eficiência ao mercado financeiro no Brasil. Temo que o esforço de estimular o crescimento da economia e do emprego desconsiderando suas restrições poderá resultar em pressão inflacionária e retomada da indexação no futuro próximo, a menos que a crise externa aja - se me permitem a analogia - como um choque malthusiano para conter o possível crescimento desequilibrado da economia brasileira.
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