O GLOBO - 05/06
A intervenção no Cruzeiro do Sul não é fato isolado. Faz parte do mesmo processo que levou a uma série de resgates de instituições financeiras com dinheiro do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Além do PanAmericano, que foi fraude, apareceram rombos no Schahin, Matone, Oboé e Morada. O assunto compete ao Banco Central como autoridade bancária do país, mas tem sido sempre delegado ao FGC.
Oboé e Morada foram liquidados. Schahin, Matone e PanAmericano, vendidos para outras instituições. Os compradores nada desembolsarem e ainda receberam vultosos empréstimos do FGC. A explicação do Banco Central é que esses outros tiveram "soluções de mercado", ou seja, apareceram compradores, e que o Cruzeiro do Sul não teve. É mais complicado do que isso. O PanAmericano foi o maior dos rombos e recebeu o melhor tratamento.
Como a Caixa Econômica tinha feito a insensatez de entrar de sócia no banco - que carregava essa bomba de efeito retardado - o FGC deu um empréstimo. Depois, descobriu-se novo rombo e foi dado novo empréstimo. Só depois foi encontrado um comprador, o BTG, que pagou 10% do valor da dívida do banco com o Fundo e ficou com o negócio.
Os bens dos administradores e dos antigos donos não ficaram indisponíveis, já os dos donos e administradores do Cruzeiro do Sul ficaram. Que os do Cruzeiro do Sul fiquem indisponíveis, nada mais justo, já que lidam com dinheiro coletivo e têm que responder caso não tenham feito uma boa administração. Mas na soma dos casos, o que se vê é que instituições com problemas semelhantes têm sido tratadas de forma diferente.
O Banco Central é a autoridade bancária do país, mas tem agido através do FGC como se o Fundo fosse uma espécie de BC do B. O que se explica no Fundo e no próprio Banco Central é que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe financiamento do BC a bancos privados. A única possibilidade seria através do redesconto, uma espécie de cheque especial que custa caríssimo e deixa a instituição sem capacidade de se financiar no interbancário.
Sem espaço para agir, o BC está usando o FGC, que recentemente passou por uma mudança no estatuto, que autorizou, a posteriori, o que já havia sido feito nos vários casos anteriores. Só que o Fundo foi criado não para gerir banco falido, nem para resgatar instituição quebrada, nem para ser um balcão de compra e venda de banco. Foi criado para garantir o dinheiro dos depositantes.
Um banco que está com rombo deste tamanho simplesmente não pode nem pensar em comprar outro banco. Mas o Cruzeiro do Sul comprou o Prosper no fim do ano passado. O BC ainda não deu autorização, mas o negócio foi anunciado. Ao fim do primeiro trimestre, o Cruzeiro do Sul emitiu bônus externos no valor de R$ 2,8 bilhões. O FGC disse que não garantirá esses bônus.
As agências de risco Austin Rating, Risk Bank e LFRating classificavam o Cruzeiro do Sul como um banco de nota A, com perspectiva estável, que oferecia boa garantia de crédito. A Austin já tinha detectado um aumento forte de inadimplência. O total do crédito em atraso da instituição triplicou entre dezembro de 2010 e setembro de 2011. O crédito podre, com nível H, ou seja, atraso de mais de seis meses, subiu 40%. As ações do banco tinham um desempenho semelhante ao do setor, com queda de 11% até 29 de maio, última terça-feira. Daí até sexta as ações despencaram 40%.
O economista Roberto Luis Troster disse que a dinâmica do crédito piorou para todos os bancos, e não apenas para o Cruzeiro do Sul:
- Uma pesquisa recente do Ipea mostrou que 92% das famílias não querem tomar crédito por um tempo e que 31,7% delas estão com as contas atrasadas. O IBGE disse que 14,1% das famílias estão superendividadas.
Logo que começou a crise de 2008, bancos pequenos não conseguiram se financiar no mercado, e o Banco Central incentivou os grandes a comprarem carteiras de crédito dos menores. Na época, o Cruzeiro do Sul vendeu carteira, e vários outros menores, também. Depois, o FGC financiou a compra de instituições com problemas. Só no PanAmericano ele colocou mais de R$ 4 bilhões, isso sem falar no que a Caixa teve que pôr antes, durante, e depois no banco. O Banco do Brasil comprou participação no Votorantim e recentemente informou-se que os dois sócios farão aportes de capital entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões. Um dos problemas é a alta inadimplência na carteira de veículos.
Enfim, há confusão suficiente por aí e o mar não está para peixe. É preciso fiscalização mais frequente do Banco Central e preventiva. O BC tem que ter mais instrumentos para agir em situações como essa e não operar sempre através do FGC.
Se perguntado, o BC dirá que o Fundo Garantidor de Crédito é uma entidade privada, dinheiro dos bancos, e que atuou em todos esses casos porque quis. Em conversa franca com banqueiros e executivos do mercado, eles contam que o BC tem empurrado o FGC, que se deixou empurrar. Os grandes bancos, que administram o fundo, tinham emprestado para esses bancos que apresentaram problemas. Para sanar o óbvio caso de conflito de interesses, foi mudado o estatuto e nomeada outra direção para o FGC.
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