quinta-feira, junho 14, 2012

A Lei de Lavagem e o Sigilo do Advogado - MARCELO KNOPFELMACHER

O ESTADÃO - 14/06


Está em tramitação avançada, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei (PL) n.º 3.443-B/2008 que pretende alterar a Lei n.º 9.613/1998, que trata dos crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores. Por meio desse PL, pretende-se incluir no rol das pessoas físicas e jurídicas sujeitas ao denominado "mecanismo de controle" todos aqueles que "prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações" (artigo 9.º, inciso XIV, do PL), exigindo-se a identificação de seus clientes e a manutenção de cadastro atualizado, "nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes", conforme o artigo 10, caput, da Lei n.º 9.613/1998.
Além de atingir, diretamente, as pessoas físicas e jurídicas que prestam os serviços acima referidos, quando o PL em questão se refere ao "aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza", quer parecer que também estaria a incluir, ainda que indireta e veladamente, a atividade da advocacia. Todavia, se a pretensão do legislador ordinário de fato for essa, o PL em questão mostrar-se-á natimorto do ponto de vista de sua constitucionalidade, além de flagrantemente incompatível com diversos preceitos legais que exigem o dever de sigilo profissional. Com efeito, o artigo 133 da Constituição é expresso ao preconizar que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Evidente que quando a Constituição alude, nesse mesmo artigo 133, à inviolabilidade do advogado "nos limites da lei" está se referindo ao Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).
Já a Lei 8.906/1994, por sua vez, estabelece, no inciso XIX do seu artigo 7.º, ser direito do advogado "recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional".
Mais adiante, em seu artigo 34, inciso VII, preceitua com todas as letras o Estatuto da Advocacia que constitui infração disciplinar "violar, sem justa causa, o sigilo profissional". O Código Penal, por outro lado, em seu artigo 154, define como crime a violação do segredo profissional nos seguintes termos: "Revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: pena de detenção, de três meses a um ano, ou multa".
Sendo assim, verifica-se que há ampla disciplina legal acerca do direito/dever de sigilo, por parte do advogado, em relação a fatos de que tenha tomado conhecimento em virtude de sua atuação profissional. Constituindo verdadeira infração disciplinar (e mesmo crime) a violação, sem justa causa, do sigilo profissional, parece-nos inadequada qualquer iniciativa que, alicerçada sob o nobre propósito de alterar a legislação de combate à lavagem de dinheiro, venha a arrolar - ainda que indireta e veladamente - a atividade da advocacia como uma daquelas sujeitas ao denominado "mecanismo de controle", obrigando-se aos profissionais da Advocacia a delatar, sob pena de imposição de severas multas, seus clientes.
Dessa forma, e levando em conta que, por força do próprio artigo 133 da Constituição, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, "nos limites da lei", e sendo essa lei precisamente o Estatuto da Advocacia que regula in totum a profissão do advogado e que não admite (pelo contrário, censura), em linha com o Código Penal, a divulgação de fatos protegidos pelo sigilo profissional, toda e qualquer iniciativa parlamentar (a exemplo do indigitado PL n.º 3.443-B/2008) que venha, ao arrepio do Estatuto da Advocacia, amesquinhar ou infirmar o sagrado dever de sigilo encontrará óbice no texto constitucional, sendo de rigor afastar, por contrárias à Carta de 1988, tais iniciativas, por mais nobres que sejam ou pareçam seus propósitos.

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