FOLHA DE SP - 14/06
O que torna mais fácil a vida policial tem provado ser o que menos fortalece o Judiciário e a segurança
AINDA QUE não prevaleça, se os dois votos seguintes lhe forem contrários, o parecer do desembargador Tourinho Neto pela anulação do processo contra Carlos Augusto Ramos, o Carlos Cachoeira, chama a atenção para um descaminho perigoso. É o uso abusivo das escutas policiais de telefones.
A falta de critérios e de respeito à exigência de razões excepcionais chega à ilegalidade extrema de se instalar a intercepção telefônica com base em "denúncia anônima", o que, no caso de Carlos Cachoeira, é um dos argumentos fundamentais do desembargador-relator.
Para a Polícia Federal é muito cômodo pedir a um juiz a autorização para a escuta. Se concedida, tudo estará coberto pela expressão mágica "autorização judicial". Vimos e ouvimos o então delegado Protógenes Queiroz exibir, sob o manto mágico, meses de uma novela duvidosamente policial. Para nada. Ou melhor, seu desempenho televisivo deu-lhe um lugar na Câmara.
Mas não se sabe se aquele foi o caso mais grave da relação entre um bom recurso legal e o seu uso impróprio. É estranho na confusão em torno de Cachoeira, por exemplo, que tudo provenha de centenas ou milhares de telefonemas gravados. De investigação policial, até esta altura só apareceram coisinhas burocráticas, do tipo tal firma é só de fachada, fulano era sócio de beltrano, e por aí vai.
O negócio com a casa do governador Marconi Perillo não podia chegar à CPI ainda por ser investigado, e com base só em telefonemas. O dever da PF era tê-lo investigado e esclarecido. O mesmo quanto à Delta Construções, da qual só se têm ilações, sem sequer indicação dos seus donos verdadeiros.
Quantos outros procedimentos assim estarão em curso, até estourarem quando alguém dê informações à imprensa, como colaboração ou para faturar algum?
Já existe uma instância em condições, legais e técnicas, de dar uma olhada firme nas autorizações judiciais de escutas, e pesar sua eventual fundamentação. O que torna mais fácil a vida policial, não só com interceptações, tem provado ser o que menos fortalece o Judiciário e a segurança pública.
CORREÇÃO
Pernambuco foi o Estado que mais sofreu com a repressão em 1964. Dois coronéis, Ibiapina e Bandeira, instauraram o terror, do qual ficou uma foto eloquente para a interpretação futura: o comunista histórico Gregório Bezerra, de calção, descalço, mãos amarradas às costas, puxado pelas ruas do Recife por uma corda atada ao pescoço. Vinha da tortura, ia para a tortura.
No artigo "Na morte do jovem padre", fiz referência a um dos tantos atos do terrorismo: o assassinato do padre Antonio Henrique, assistente de d. Hélder Câmara. Citei, como um dos muitos feitos de Inocêncio Mártires Coelho, procurador da República a serviço da ditadura, atrapalhar a identificação dos assassinos.
Confundi caso e nome. O procurador do assassinato foi Rorinildo Rocha Leão, respeitável e frustrado em seus esforços. A celebridade nacional de Inocêncio veio de suas ações contra o pleno esclarecimento do "escândalo da mandioca" -bandalheira financeira cuja tentativa de investigação levou ao assassinato, por um major da PM, do procurador Pedro Jorge de Mello e Silva- também ligado à diocese.
O artigo lembrava a necessidade de investigar a verdade sobre os colaboracionistas do regime de torturas, mortes e desaparecimentos. Inocêncio Mártires Coelho daria um bom começo.
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