quarta-feira, junho 06, 2012

CPI multiúso - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 06/06


Em política, o que vale é o símbolo. Um sujeito marcado por uma CPI leva tempo para se recuperar. Isso se for inocente. E, em se tratando de ano eleitoral, o desgaste pode ser sinônimo de derrota

No marasmo de uma semana curta, o deputado Giroto (PMDB-MS), pré-candidato a prefeito de Campo de Grande, chamou a atenção ontem, ao chegar irritado para uma conversa com o presidente em exercício do PMDB, senador Valdir Raupp (RO), na sala de café dos senadores. Trazia em mãos o pedido de convocação dos governadores de Mato Grosso, Silval Barbosa, e de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, ambos do PMDB, para prestar depoimento na CPI que investiga os negócios de Carlinhos Cachoeira. O documento protocolado na CPI é assinado pelo deputado Filipe Pereira (PSC-RJ), filho do pastor Everaldo, ex-deputado. Foi formulado um dia depois de o PSC comunicar ao peemedebista que iria apoiar o PSDB na campanha para prefeito de Campo de Grande.

Não fosse o período eleitoral, o pedido poderia se tratar de mais uma simples tentativa para investigar a Delta Construções e suas obras pelo Brasil afora. Mas, na visão de um pré-candidato a prefeito, tudo muda de figura. Giroto está convencido de que a proposta de Filipe está diretamente relacionada com o fato de o PSC ficar fora da sua campanha. Especialmente pela data em que foi apresentada. Está claro, na visão do peemedebista, que existe aí uma tentativa de usar a CPI para desgastar o PMDB e, por tabela, seu pré-candidato. Conhecedor dos meandros da política, Raupp foi direto: “Se for assim, vamos chamar todos os governadores onde a Delta tem obras”, comentou, no velho estilo olho por olho. Se a proposta vingar, teremos um desfile de governadores ali.

Está cada vez mais claro que CPI e eleições começam a se sobrepor, como já dissemos aqui recentemente, sem um exemplo tão emblemático como o desses dois governadores. Em política, o que vale é o símbolo, a marca. E um sujeito marcado por uma CPI leva tempo para se recuperar. Isso, quando se recupera. E, em se tratando de ano eleitoral, o desgaste pode representar a derrota em outubro. Isso torna a CPI um cinto de mil e uma utilidades.

Por falar em uso eleitoral...
O primeiro a ingressar nessa seara foi o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ). Embora não haja uma citação que envolva o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), diretamente com Cachoeira, as imagens da turma do guardanapo na cabeça chamuscaram o governador ao ponto de ele ser vaiado em eventos públicos. É certo que o estrago teria sido menor se Cabral tivesse apresentado comprovantes de seus gastos no exterior. Como quem cala consente, ele agora paga sua cota escapando de convocações na CPI, mas sem tirar de si a dúvida sobre se a relação de amizade com o dono da Delta, Fernando Cavendish, ultrapassou limites compatíveis com o cargo de governador.

Cabral mergulhou, o que no jargão da política significa ficar longe dos holofotes. O mesmo tem feito o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), candidato à reeleição. Não será surpresa se, de agora em diante, Paes se distanciar de Cabral para, assim, evitar ser atingido por estilhaços. Não por acaso, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, é vista como a largada da campanha de Paes. Ali, ele estará cercado por Dilma Rousseff e autoridades de outros países. Diante de tantas personalidades, a imagem de Cabral ficará diluída.

Por falar em diluídos...
O problema é quando acabar a Rio+20 e todos voltarem à realidade da CPI. Há quem acredite no recesso de julho como um poderoso solvente para os trabalhos da comissão. Se a história se repetir, o efeito será inverso. Sem muita coisa funcionando no parlamento, a tendência é a de que os “perdigueiros” — aqueles políticos que investigam denúncias e cruzam informações — tenham mais tempo para se dedicar a esse serviço.

Não por acaso, um deputado fazia ontem as contas sobre quanto tempo de trabalho a CPI tem pela frente. Ele ainda não tinha se dado conta de que a comissão atravessará todo o período eleitoral. Mas já havia percebido que, com a chegada da temporada de convenções este mês, a fusão da CPI com as eleições já está em curso. E, não tenham dúvidas: novos pedidos de convocação de governadores e prefeitos virão. Caberá aos integrantes da comissão muita sabedoria para separar o que é jogo eleitoral do que realmente deve ser investigado. A nós, resta torcer para que não percam essa capacidade.

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