FOLHA DE SP - 29/05
SÃO PAULO - Lula fez ou não uma proposta indecorosa ao ministro Gilmar Mendes? É impossível dizer. A menos que a reunião entre os dois (que ninguém nega) tivesse sido filmada, o desencontro de versões é uma fatalidade, uma decorrência da arquitetura de nossos cérebros.
Até uma acareação seria perda de tempo, e não necessariamente porque um deles mentiria. Gostamos de pensar que a memória funciona como um registro fotográfico do que presenciamos, mas essa sensação é uma peça que a mente nos prega.
Na verdade, o que o cérebro guarda são registros hipertaquigráficos que são reconstruídos, e modificados, cada vez que nos lembramos deles. O passado é bem mais incerto do que suspeitamos.
As distorções são introduzidas por sensações, gostos, crenças. Para piorar o quadro, do lado esquerdo de nosso cérebro existem estruturas que unificam nossas experiências e lembranças e tentam juntá-las numa narrativa coerente. Fazem-no com forte viés político: deixamos de ver as evidências que não nos interessam e valorizamos o que apoia nossas teses. Quando a história não fecha, pior para a verossimilhança: criamos desculpas esfarrapadas.
Assim, o que a memória de Mendes registra como uma pressão indevida muito provavelmente está arquivado na mente de Lula como comentários fortuitos, que não configuram nem mesmo uma insinuação.
É nos diferentes pesos que cada lado confere a uma mesma ação que se funda boa parte das desavenças e conflitos que afetam a humanidade.
Como disse Robert Wright, "o cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independentemente de ter qualquer uma delas. Como um advogado, o cérebro humano quer vitória, não verdade".
Qualquer que seja a verdade, Lula faria bem a sua biografia se se poupasse desse tipo de escaramuça.
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