domingo, maio 06, 2012
A França decide - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 06/05/12
Se as urnas confirmarem o que já vêm apontando as pesquisas de intenção de voto, a França terá outra vez um governo de esquerda, liderado pelo socialista François Hollande.
Será excelente oportunidade para conhecer essa tão pretendida agenda de crescimento numa sociedade superendividada, prostrada pelo desemprego e despreparada para enfrentar a conta de uma crise.
A geração europeia do pós-guerra não contava - e ainda não conta - com a imposição de tantos e inesperados sacrifícios. Entendia que o Estado paternalista se encarregaria de prover o bem-estar, a educação e confortável aposentadoria a toda a população. Mais do que isso, para a atual geração o lançamento do euro por si só garantiria futuro de paz, financiamento farto e barato do consumo. A súbita quebra dessa expectativa levou a população a exigir o escracho de culpados e soluções imediatas - pouco importando a qualidade delas.
Não há na Europa líderes que empolguem massas e se mostrem capazes de liderar seu povo em direção a uma saída. Na França, nem o obstinado François Hollande nem o mercurial Nicolas Sarkozy conseguem ser mais do que burocratas da administração pública. Falta-lhes a estatura dos estadistas que a França já teve, como Charles de Gaulle e François Mitterrand. Por mais que se queiram acentuar diferenças e a necessidade de mudanças, a França parece ter de se conformar com a mesmice dos últimos 17 anos.
Nesta hora de crise, a moeda única dificulta a busca de uma saída. A dívida insuportável e o rombo orçamentário são manifestações de questão mais profunda: a perda crescente de competitividade do seu setor produtivo. A solução técnica não escapa da redução dos salários, das aposentadorias e de demais rendas. Nos velhos tempos, esse ajuste poderia ser obtido com a simples desvalorização do franco francês, fator que reduziria o poder aquisitivo da população e se encarregaria de baixar a dívida pública com alguma dose de inflação. Mas a França, no entanto, não detém o controle das impressoras do euro.
Nesta administração, quando dois franceses ocupavam os postos-chave do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), Sarkozy bem que tentou tirar proveito dessa proeminência. Mas não conseguiu. Nem o BCE se dispôs (a não ser parcimoniosamente) a emitir moeda para financiar os Estados (especialmente o francês) nem o FMI concordou em mudar suas regras rígidas para distribuir suas linhas de financiamento. Um dos principais motivos pelos quais Sarkozy pode perder a oportunidade de se reeleger é seu excessivo engajamento com as posições da chanceler da Alemanha, Angela Merkel. Não é à toa que a dupla passou a ser chamada Merkozy.
Hollande promete batalhar para transformar o BCE numa instituição que garanta financiamentos de última instância aos Tesouros soberanos do bloco do euro - e não somente aos bancos. Nessas condições, quer emplacar uma desvalorização controlada do euro que faça o serviço mais difícil. Alguns observadores entendem que a crise se agravará a tal ponto que será inevitável esse passo radical. Mas, para isso, terá de superar o veto alemão. Se conseguir, ainda haverá o risco de que a eventual desvalorização do euro seja neutralizada por processos de desvalorização equivalentes das outras moedas fortes - como nos últimos dois anos. E também o de que a inflação escape do controle.
Por falar em Alemanha, a atual supremacia na área do euro não se deve apenas à robustez invejável da economia alemã. É o resultado, também, da reunificação que mudou a relação de poder dentro da Europa. De Gaulle já temia isso. Foi ele quem disse: "Gosto tanto da Alemanha que prefiro duas". Sarkozy está pagando o preço da nova densidade estratégica alemã. Se ganhar, Hollande não escapará dela. É esperar para ver.
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