O Estado de S.Paulo - 01/04/12
Há quem tenha visto como um golpe fatal na Lei Seca a decisão do Superior Tribunal de Justiça de determinar o teste do bafômetro ou o exame de sangue como as únicas formas de se penalizar a direção perigosa por ingestão de álcool.
Na prática talvez ocorra o oposto: a sentença pode acabar funcionando como o empurrão que faltava ao indispensável ajuste para evitar que a legislação vire letra morta em decorrência da perda de seu poder de punição.
O STJ explicitou uma situação para a qual o ministro da Justiça vinha alertando. "A mudança é imprescindível porque, da forma como a lei está redigida, não assegura a punição dos infratores e, portanto, pode se tornar inócua", disse José Eduardo Cardozo em janeiro último.
O Congresso, ao seu modo lento e dispersivo, também estava "ligado" no problema, discutindo uma série de projetos em tramitação para corrigir um equívoco de origem: a colisão do texto da lei com a Constituição.
Ao estabelecer como parâmetro para punição a existência de um nível x (0,6 grama) de concentração de álcool no sangue do motorista, a lei criou um obstáculo à sua aplicação, pois constitucionalmente ninguém é obrigado a produzir prova contra si e, assim, conferiu legalidade ao ato de recusa ao teste.
No início houve um efeito coercitivo. As pessoas temiam as operações policiais de fiscalização e evitavam dirigir quando bebiam. À medida que figuras conhecidas se recusavam a fazer o teste invocando a Constituição, as pessoas foram percebendo que poderiam fazer o mesmo.
Resultado: a Lei Seca começou a correr sério risco de cair no vazio e com isso se perder todo o avanço já conseguido em matéria de mudança de comportamento na sociedade.
A proposta que o ministério gostaria de negociar com o Congresso seria a retirada da dosagem de álcool como parâmetro em substituição ao critério da prova testemunhal a fim de levar as pessoas a fazer o teste para produzir prova de defesa e não necessariamente de acusação.
Tanto ao mar. Na entrevista que deu à Folha de S. Paulo para falar primordialmente sobre a doença, o ex-presidente Lula faz duas observações políticas: diz que o processo da candidatura de Fernando Haddad é igual ao que levou Dilma Rousseff à Presidência e afirma que ela só não será candidata em 2014 "se não quiser".
Em ambos os casos não é necessariamente bem assim. Quando fez de Dilma candidata vitoriosa, Lula estava na posse plena da saúde, da caneta presidencial, da exposição proporcionada pelo cargo e da perspectiva de poder que encarnava frente a todos os partidos que se engajaram no processo.
Quanto à reeleição de Dilma, hoje depende menos da vontade dela e muito mais da disposição dos partidos, PT incluído, de conviver com ela pelos próximos sete anos, até 2018.
Disque-agonia. Instrumento fundamental na interface entre sociedade e autoridades no combate ao crime, o Disque-Denúncia corre sério risco de entrar em processo de extinção.
Mantido por doações, de empresas e governos, nos últimos tempos o serviço sofreu uma queda acentuada de aporte de recursos. No Rio de Janeiro, onde começou em 1995 e é responsável pelo esclarecimento de 8% a 10% dos crimes, nada menos que 30 empresários da Federação da Indústria (Firjan) deixaram de fazer doações.
Em boa medida pela percepção (equivocada) de que a questão da segurança pública estaria equacionada com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nos territórios dominados pelo tráfico de drogas.
O governo do Estado, embora reconheça a importância do Disque-Denúncia como auxiliar da polícia e do engajamento da população nesse trabalho, não vem respondendo à altura das necessidades materiais.
A situação é crítica: se nada for feito, uma iniciativa bem-sucedida pode resultar em uma oportunidade perdida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário