REVISTA ÉPOCA
Dilma acaba de ir à Índia. Nossa presidente governa pouco mais de 190 milhões de habitantes. O governador de Uttar Pradesh, o mais populoso Estado indiano, governa mais gente: 200 milhões. Essa singela comparação nos fornece uma pequena noção de quão pequenos somos diante da população da Ásia. A Índia tem pouco mais de 1,2 bilhão de habitantes. A China tem 100 milhões a mais. O Brasil, se ficasse na Ásia, teria somente 5,4% da população dos dez maiores países daquela região. Somos muito pequenininhos diante daquele mundaréu de gente.
Até há bem pouco tempo, chineses e indianos consumiam pouco. Eles, como nós, vêm melhorando suas condições de vida. Os investimentos em educação podem ser maiores ou menores dependendo do país, mas é fato que todos investem e melhoram o nível de escolaridade de suas populações. Resultado: cresce a produtividade e aumenta a riqueza bruta e per capita. Índia e China vêm gradativamente se urbanizando. A regra geral é que as populações urbanas ocupam empregos melhores e consomem mais que as populações rurais. O crescimento da classe C não é, portanto, um fenômeno exclusivamente brasileiro. É chinês e indiano também.
Melhorar de vida significa, entre outras coisas, deixar de ser submetido à humilhação do transporte público. Por volta dos anos 1930, a classe C emergiu nos Estados Unidos. E o país engarrafou completamente. Foi naquele período que a posse de automóvel atingiu quase toda a população. E foi em resposta a essa experiência traumática que eles construíram, a partir dos anos 1940, sua malha de rodovias e mudaram sua maneira de morar, passando a residir nos subúrbios. No Brasil, somente 40% da população adulta tem automóvel (e já estamos bastante engarrafados). Haverá o dia em que todos, ou praticamente todos, terão. Brasileiros, indianos e chineses querem ter seu carrinho. Isso não é, nem pode ser, um direito exclusivo de uma pequena elite que já o tem.
Toda vez que a classe A não consegue se colocar na posição de quem nada tinha e está entrando agora no mercado consu-midor de massa, ela deixa de entender esse tipo de oportunidade. No Brasil, praticamente a totalidade das pessoas que per-tencem às classes A e B tem automóvel, novo ou usado. Na classe C, somente 25% da população adulta tem carro, uma pro-porção irrisória, perto de 5%, foi capaz de adquirir um carro zero.
Quando os indivíduos melhoram de vida, também passam a consumir mais alimentos. No Brasil, há vários depoimentos de famílias que, recém-chegadas à classe C, melhoraram muito de vida durante o governo Lula. O principal símbolo dessa ascensão é uma mudança física na família. Todos deixam de ser magros e alguns se tornam gordinhos. Ilude-se quem acha que o mesmo não ocorre na Ásia. Só que, lá, o volume é imensamente maior do que aqui. Eis aí uma grande oportunidade que se abriu para o Brasil: exportador de alimentos - commodities agrícolas - para os asiáticos.
Um dos grandes debates do momento é a desindustrialização do Brasil e o que o governo deve fazer para detê-la. Podería-mos adicionar a esse debate outra questão: o que o governo poderia fazer para dinamizar ainda mais nossa capacidade de abastecer Índia, China e seus vizinhos de commodities? Desindustrializar resulta em perda de empregos. Exportar mais e mais commodities resulta em criação de empregos.
Os críticos devem esquecer o argumento falacioso de que a indústria gera mais empregos do que os serviços e a agricultura. Há hoje inúmeras fábricas com um número irrisório de operários. A grande maioria já foi substituída há muito tempo por robôs. Lula não teria atualmente o público numeroso que teve em seus comícios na época das greves do ABC paulista. Em compensação, os alimentos que exportamos são produzidos graças a um enorme investimento em pesquisa e desenvolvi-mento tecnológico. Isso acaba por gerar muitos empregos de qualidade em outros segmentos da economia.
Não faz sentido produzir bens manufaturados no Brasil para exportá-los aos mais de 3,5 bilhões de asiáticos. É evidente que, se eles produzirem por lá, terão ganhos de escala que aqui jamais alcançaremos, a não ser que tenhamos a proteção do governo à custa da maioria dos consumidores.
Igualmente importante: para ter indústria exportadora, é preciso ter poupança. Os pobrezinhos da Índia poupam 35% do PIB, enquanto os chineses atingem a espantosa marca de 50% do PIB. Nós, brasileiros, poupamos algo em torno de 17%, muito pouco para viabilizar a existência de uma indústria exportadora pujante.
É compreensível que uma geração formada nos anos 1950 e 1960 esteja ainda apegada à ideia de que o Brasil precisa de uma indústria exportadora para ser uma potência mundial. Essa geração foi testemunha dos anos JK e da implantação da indústria automobilística no Brasil. Viu o período áureo de nossa urbanização e os empregos industriais típicos desse processo. Isso é passado. O futuro é o aumento da demanda por commodities na Ásia. Temos tudo para aproveitar essa oportunidade. Podemos ser o Uttar Pradesh das commodities: um Estado da Índia (na América do Sul) que enriqueça graças a sua capacidade de abaste-cer os mais de 3 bilhões de novos consumidores asiáticos.
Não custa lembrar que teremos todos de lidar com a possibilidade de catástrofes ambientais e ecológicas, resultado do aumento do consumo. Que o Brasil seja o celeiro do mundo é o que todos queremos. Tudo leva a crer que dependemos da preservação da Amazônia para que isso se torne realidade. Há estudos sólidos mostrando que o regime de chuvas que sustenta a agricultura do nosso país em muito depende da umidade gerada pela Amazônia e levada de lá para o Sudeste e o Sul por meio dos "rios voadores".
A mesma perspectiva racional e ponderada nos conduz ao caminho de nação exportadora de commodities. O Brasil tem a chan-ce de aprender com os erros de outras nações. Montesquieu chamou a atenção, com uma metáfora perfeita, para a diferença entre a civilidade e a selvageria: o não civilizado, quando quer colher um fruto da árvore, a derruba.
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