O GLOBO - 24/04/12
O vergonhoso bate-boca entre os ministros Cezar Pelusoe Joaquim Barbosa não pode ser caracterizado como uma crise institucional, mas que afeta a imagem do Supremo Tribunal Federal, isso afeta. Não interfere em nada nos julgamentos futuros, entre eles o do mensalão, mas se não houver uma superação desse mal-estar, qualquer decisão importante que o Supremo venha a tomar pode ficar prejudicada pela falta de credibilidade.
A decisão não perde a eficácia legal, mas se a percepção da opinião pública for de que a última instância do Poder Judiciário não merece mais respeito, o prejuízo político para a cidadania será imenso.
No momento em que o Poder Legislativo toma decisões corporativas que são escandalosas aos olhos da população e sofre com uma crise política que será aprofundada com a CPI do Cachoeira, o Supremo tem sido o contraponto institucional à força cada vez maior do Executivo.
A preocupação com uma eventual desmoralização do Supremo aumenta diante do poder, real e imaginário, da Presidência da República.
A presidente Dilma, com os índices de popularidade que vem alcançando, vai dando continuidade, pormeio de outros atributos, à
presidência imperial de Lula, que confrontava o Judiciário com críticas públicas e subjugava o Legislativo com benesses a seus membros.
Na polêmica entrevista ao Consultor Jurídico, em que criticou seu confrade Joaquim Barbosa, o ministro Peluso também fez uma análise do nosso sistema presidencialista, afirmando que “o Poder Executivo no Brasil não é republicano. É imperial. Temos um Executivo muito autoritário”.
Ele se referia ao aumento salarial do Judiciário, que a presidente Dilma não autorizou. “Mandei ofícios à presidente Dilma Rousseff citando precedentes, dizendo que o Executivo não poderia mexer na proposta orçamentária do Judiciário, que é um poder independente, quem poderia divergir era o Congresso. Ela simplesmente ignorou”.
Segundo Peluso na entrevista, o Congresso chegou a ensaiar certa independência, “mas o poder de fogo do Executivo é grande, eles acabaram não tomando atitude, curvando-se ao toma lá dá cá”.
Chama-se hiperpresidencialismo o regime em que o Executivo abarca todos os poderes do Estado, diante de outros poderes subjugados.
Mesmo tendo a maioria de seus ministros indicados por governos da mesma tendência política, o Supremo tem se mostrado de uma independência vital para a democracia brasileira, e a última coisa que poderia acontecer é sua perda de credibilidade.
Ao contrário de outros países, o governo não tem usado essas nomeações para tentar manipular as decisões do Supremo, ao mesmo tempo em que o caráter vitalício do mandato dá aos juízes a independência indispensável para a função.
Diferentemente dos Estados Unidos, aqui o ministro do Supremo tem que se aposentar compulsoriamente aos 70 anos, mas isso não desfigura a vitaliciedade, que no Direito significa que a perda do cargo só se dará mediante decisão do Judiciário, não bastando um processo administrativo.
O PT no poder há nove anos e quatro meses já nomeou 11 ministros do Supremo, e hoje existem apenas três deles que foram nomeados em outros governos: Celso de Mello, por Sarney; Marco Aurélio Mello, por Collor; e Gilmar Mendes, por Fernando Henrique.
O ex-presidente Lula reagiu assim, em entrevista recente, sobre suas indicações para o Supremo: “A gente não pode indicar as pessoas pensando na próxima votação na Suprema Corte. A gente não pode indicar uma pessoa pensando nos processos que vão ter contra o presidente da República. Você tem que indicar a pessoa pensando o seguinte: se a pessoa é ou não competente para exercer aquele cargo. E tem gente de direita, gente de esquerda”. Uma posição perfeita, que se confirma na prática, já que Lula nomeou para o STF um ministro “de direita”, Carlos Alberto Direito (já falecido), e alguns “de esquerda”.
Muito embora não tenha sido tão imparcial assim o tempo todo, pois se sabe de pelo menos uma vez em que o presidente Lula telefonou pessoalmente para um ministro que acabara de nomear reclamando de um voto seu.
Há quem veja o hiperpresidencialismo como nada menos que uma ditadura disfarçada, cujos limites para a ditadura de fato é a liberdade de imprensa, que geralmente não existe em países que já adotam esse sistema de governo, como na Venezuela e na Rússia.
Os estudiosos dos sistemas de governo dizem que a fragmentação partidária pode levar a que o Executivo estimule uma maioria circunstancial que favoreça a aprovação de sistemas autoritários, como aconteceu na Rússia.
O mesmo fenômeno acontece na América Latina, com governos de países como a Venezuela, o Equador e a Argentina, se utilizando dos mecanismos democráticos para aprovar leis que lhes conferem superpoderes, colocando o Executivo acima dos outros poderes, fazendo com que o sistema democrático perca sua característica de contrapesos.
Não é o que ocorre no Brasil, pois nenhuma legislação foi aprovada para alterar a composição do Supremo e nem o Legislativo foi obrigado a não analisar a pertinência das medidas provisórias, por exemplo.
Mas a desmoralização dos demais poderes da República pode levar ao mesmo resultado.
A eleição francesa guarda ainda algumas indefinições do eleitorado. Os quase 20% da Frente Nacional de Marine Le Pen, por exemplo, são votos da extremadireita ou em grande parte são votos de protesto?
Não é razoável que eleitores de extrema-direita convictos votem no segundo turno em François Holande, mas se o tamanho da Frente Nacional estiver inflado pela desilusão do eleitorado, é possível que esses votos migrem para o PS, ou então esses eleitores simplesmente desistam de votar.
Desse enigma depende a sorte de Sarkozy no segundo turno.
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