O GLOBO - 13/04/12
Uma das recomendações da Cartilha do Político Esperto, que nunca foi escrita, por motivo óbvio (os membros da venerável profissão não admitem que tenham qualquer coisa a aprender em matéria de esperteza), estabelece que a classe deve investigar acusações - ou, em alguns casos, até meras suspeitas - de mau comportamento em suas fileiras.
Há dois motivos óbvios para isso. Um é óbvio: manda-se para a opinião pública o recado de que a classe é zelosa na defesa da honestidade na vida pública. O outro é, digamos assim, solerte: a autoinvestigação pode ter os limites que forem considerados adequados aos interesses dos autoinvestigados. A não ser em casos de masoquismo grave no comportamento desses cidadãos. Na atividade política, aqui e além-mar, o masoquismo é praticamente inexistente.
Tudo isso levado em conta, devemos saudar, com o entusiasmo que nos resta, a reação do Congresso à revelação de que o cidadão Carlos Augusto Ramos, que atende pelo nome artístico de Carlinhos Cachoeira e exerce a profissão de banqueiro de atividades financeiras informais - ou seja, é um bicheiro, e dos graúdos - mantém relações pouco recomendáveis com congressistas de variados partidos.
Um esclarecimento aos inocentes: bicheiros não são apenas gestores de uma loteria informal quase inocente. Trabalham nessa área, mas são também financiadores e gestores de toda sorte de crimes cabeludos.
Duas medidas foram anunciadas: a criação de uma CPI mista - iniciativa, portanto, de todas as bancadas - para investigar as relações perigosas de parlamentares com Cachoeira e, mais especificamente, a apuração, pelo Conselho de Ética do Senado, do comportamento do Senador Demóstenes Torres (sem partido, o que não acontece por acaso), que gravações mostram ser o que o jornal define corretamente como "o braço parlamentar do bicheiro". Engraçado? Não é, não. Há um dado curioso e animador nessas iniciativas: não se trata de ações de oposicionistas contra governistas ou vice-versa. Podem ser investigados, por exemplo, o governador de Goiás, do PSDB, e o do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, do PT. Ou seja, o Congresso está agindo como deve.
O Palácio do Planalto ainda não se manifestou. É como se não tivesse nada a ver com essa triste e séria história. Mas tem. E ficará na memória do povo da planície o registro de quem agiu e de quem não se mexeu.
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