Muito se tem falado sobre a pecuária brasileira. Por vezes se difunde a visão de uma pecuária pouco produtiva e ineficiente, incompatível com a realidade e as demandas do século 21. Dois equívocos, importantes para esse debate, têm sido frequentes.
O primeiro é de ordem conceitual: a taxa de lotação não é sinônimo de produtividade animal em pastagens. Esta é obtida multiplicando-se a taxa de lotação (cabeças por hectare) pelo desempenho animal (ganho de peso). Quando se decompõem os ganhos de produtividade alcançados entre 1950 e 2006, o desempenho animal explicou 38% desses ganhos, enquanto a taxa de lotação, 62%. De 1950 a 1975, a produtividade cresceu só 0,28% ao ano, e aumentou para 3,62% ao ano, de 1975 a 1996. Parte significativa dos resultados da modernização da pecuária ocorreu entre 1996 e 2006, quando a produtividade cresceu 6,6% ao ano e o desempenho animal explicou 65% desse ganho. Para quem considera, erroneamente, a taxa de lotação como sinônimo de produtividade, a taxa de crescimento entre 1996 e 2006 foi de 2,3% (35% do ganho real). Conclusão: esse critério equivocado induz a erros de interpretação, subestimando em até três vezes os ganhos reais de produtividade registrados na pecuária.
O segundo equívoco sustenta que a pecuária é um setor de baixa tecnologia, que cresce prioritariamente à custa da expansão da área de pastagem. No entanto, a decomposição dos fatores de crescimento da produção pecuária entre 1950 e 2006 revela que os ganhos de produtividade explicaram 79% do crescimento na produção, enquanto a expansão de área de pastagem respondeu por menos de 21% desse avanço. No período, esses ganhos de produtividade possibilitaram um expressivo efeito poupa-terra de 525 milhões de hectares. Portanto, sem esses ganhos de produtividade, uma área adicional de 525 milhões de hectares - 25% superior ao Bioma Amazônia do Brasil - seria necessária para obter a mesma produção de carne bovina registrada em 2006. Entre 1996 e 2006, o aumento da área de pastagem na Região Norte explicou menos de 6% do crescimento da produção. Os ganhos de produtividade nessa região promoveram um efeito poupa-terra de 73 milhões de hectares.
Existem discordâncias quanto às estatísticas da pecuária. Números alternativos aos do IBGE apontam, para 2010, área de pastagem no País da ordem de 210 milhões de hectares e produção de 8,8 milhões de toneladas de equivalente carcaça. Considerando esses dados, para o período de 1950 a 2010, os ganhos de produtividade ainda explicariam expressivos 68% do crescimento da produção. O efeito poupa-terra seria aumentado para 665 milhões de hectares.
Diante desses resultados, conclui-se que, ainda que possa haver dúvidas sobre qual base de dados reflete melhor os aspectos estruturais da pecuária nacional, é inquestionável que seu desenvolvimento se tem pautado, prioritariamente, em ganhos de produtividade, gerando um expressivo efeito poupa-terra, com benefícios significativos para a preservação dos recursos físicos.
Críticas vêm sendo feitas à pecuária no sentido de que ela precisa trilhar o caminho da sustentabilidade. Certamente, há espaço para avançar. A análise dos dados, porém, indica que a expansão da produção pecuária no Brasil foi fundamentada no incremento da produtividade, e não na expansão da área de pastagem. O desenvolvimento e a adoção de tecnologias baseadas em ciência foram fundamentais nesse processo. O esforço de modernização do setor produziu, além dos já citados benefícios ambientais, importantes benefícios socioeconômicos. Por exemplo, o preço da carne bovina em junho de 2010 valia, descontada a inflação, cerca de 30% do valor pago em novembro de 1973. Essa expressiva queda de preços (acompanhada de menor volatilidade) tornou um alimento de alto valor biológico acessível aos mais pobres, atenuou pressões inflacionárias e, pelo efeito-renda da demanda - em especial na população de renda mais baixa -, dinamizou outros setores da economia.
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