sábado, março 03, 2012

O Judiciário e seus prazos - WALTER CENEVIVA



FOLHA DE SP - 03/03/12
Sem a iniciativa do STF, o Estatuto da Magistratura, de 1979, não será excluído do universo jurídico brasileiro

ESTÁ EM discussão a tarefa do Poder Judiciário, resultante da incumbência de julgar processos, até que sua última decisão componha os termos da justiça oficial, dada às partes (art. 472 do Código de Processo Civil). A discussão mencionada envolve, principalmente, causas que retardam o cumprimento do dever funcional do juiz, no decidir questões e controvérsias do processo nos prazos legais. O não cumprimento foi muito destacado nos últimos tempos, embora existente há anos.

As causas da lentidão se perdem em vários caminhos. Vão desde o baixo nível do ensino do direito até a certeza do aprovado no concurso da magistratura de que nada lhe prejudicará o caminho das promoções até a aposentadoria. Nada, em nível quase absoluto, tão raras as exceções em que a inércia é apenada.

A impunidade, o exacerbado espírito corporativo nas justiças oficiais, previstas pela Constituição (art. 92, seus sete incisos e desdobramentos), também dão causa à ineficácia e ao descrédito, sem falar nas protelações do Poder Público quando réu. Com mais atualidade, oriundas de um número restrito de juízes marcados pelo pouco amor ao trabalho, repercutem a dano do Judiciário como um todo. O juiz efetivamente trabalhador não deve solidarizar-se com aquele que não quer trabalhar. Este prejudica a todos, tanto quanto o desonesto.

Ainda no campo da ineficiência funcional, há modo pelo qual o defeito pode ser amenizado. Antes, porém, recordo que mais de uma vez escrevi nesta coluna que o Brasil podia orgulhar-se da qualidade da sua Corte Suprema. Essa convicção tem, contudo, suas restrições, uma delas relativa à estrutura básica da operação judicial existente.

A função de julgar, no Brasil, é definida pelo Estatuto da Magistratura, conforme o leitor poderá saber lendo o art. 92 da Constituição. Talvez pergunte, espantado, se "temos mesmo um Estatuto da Magistratura". Temos sim. Veio com a Lei Complementar nº 35, de 1979, sob o governo do general Ernesto Geisel, sendo ministro da Justiça Armando Falcão, anos antes da restauração da democracia. Dita lei sofreu alterações extensas, ainda sob o governo ditatorial, e poucas outras no retorno democrático. Seu conjunto continua o mesmo da origem, regulamentado pelo decreto 2.019/83.

Paradoxo histórico: o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou não recebida a Lei de Imprensa, por ser produto da ditadura, mas não adotou a mesma linha quanto ao Estatuto da Magistratura. A única autoridade com iniciativa exclusiva para que tenhamos novo Estatuto da Magistratura vem definida na Carta Magna. Diz o art. 93: "Lei complementar de iniciativa do STF disporá sobre o Estatuto da Magistratura". Ou seja: sem a iniciativa do STF, a lei ditatorial de 1979 não será excluída do universo jurídico brasileiro. Sem a apresentação de projeto ao Legislativo e sem firme cooperação entre os dois poderes, não haverá legítimo estatuto democrático para o magistrado.

Neste momento em que o Poder Judiciário, na linguagem popular, é "a bola da vez", abre-se uma oportunidade -até por termos ultrapassados os trinta anos do Estatuto ditatorial- para criar um texto novo. É a exigência da história, no aprimoramento essencial da nobre função de julgar.

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