O GLOBO - 04/02/12
Provocou certo alarido a recente divulgação da ata do Copom em que se indicou a expectativa de que o juro básico - a taxa Selic - cairá provavelmente para menos de 10%. O alvoroço ficou concentrado em certos meios, especialmente instituições financeiras e economistas ligados ao mercado.
A observação do Copom foi considerada inusitada e imprudente do ponto de vista do controle da inflação. Alguns chegaram a interpretá-la como sinal de que o Banco Central estaria, na prática, abandonando a meta de inflação e se comprometendo com uma meta de juros.
As críticas parecem descabidas ou exageradas. Primeiro, a referência do Copom à trajetória futura dos juros não é tão inusitada assim. A Reserva Federal, o banco central dos EUA, vem comunicando as suas expectativas para os juros futuros há algum tempo. Na última reunião do seu Comitê de Mercado Aberto - o equivalente do Copom - em fins de janeiro, o Fed afirmou que o baixo grau de utilização da capacidade produtiva e as reduzidas expectativas de inflação no médio prazo devem provavelmente justificar "níveis excepcionalmente baixos" para a taxa básica de juro até fins de 2014.
Algumas reações à ata do Copom basearam-se, a meu ver, em simples confusões. O Copom não se comprometeu com uma meta de juros. Apenas indicou a sua expectativa de que a Selic cairá provavelmente para menos de 10%. A ata diz exatamente o seguinte: "(...) o Copom atribui elevada probabilidade à concretização de um cenário que contempla a taxa Selic se deslocando para patamares de um dígito."
A linguagem, como sempre, é rebarbativa e poderia se beneficiar de considerável enxugamento sem perda de conteúdo. Em todo o caso, a mensagem é clara: o Copom está indicando o cenário que considera altamente provável - mas não está fixando meta nem se comprometendo em relação aos juros futuros. O único compromisso, como de hábito, é manter a taxa Selic em determinado nível até pelo menos a próxima reunião do Copom.
O Copom explicou também por que considera esse cenário provável, valendo-se de uma série de argumentos: uma desaceleração maior do que a esperada da economia brasileira no segundo semestre de 2011, superávits fiscais primários consistentes com a diminuição da razão dívida pública/PIB, a postergação de uma solução definitiva para a crise europeia, entre outros argumentos.
Continuar reduzindo a taxa de juro é um objetivo defensável. Primeiro, porque isso ajudará a economia a retomar o crescimento. Segundo, porque desestimulará entradas de hot money do exterior, contribuindo para uma taxa de câmbio mais depreciada e competitiva.
Um terceiro aspecto relevante são os impactos dos juros, diretos e indiretos, sobre as finanças públicas. O efeito direto é o mais importante. Em 2011, por exemplo, as despesas de juros do setor público aumentaram mais de 20%, em grande medida por causa da alta dos juros básicos. Há também efeitos indiretos: a depreciação do real, induzida por juros mais baixos, favorece o governo, uma vez que ele é credor líquido em moeda estrangeira. No final de 2011, a dívida externa líquida do setor público consolidado era negativa em 13% do PIB, refletindo o nível das reservas internacionais no BC. Além disso, o crescimento econômico, induzido por juros menores, contribui para aumentar as receitas do governo e reduzir as despesas cíclicas como a assistência a desempregados.
Isto dito, permanece o fato fundamental de que o BC não pode descuidar da inflação. O resultado de 2011 não foi satisfatório: a inflação bateu no teto da meta, as medidas de tendência apontam para uma inflação anual ligeiramente acima do teto e os preços dos serviços aumentaram 9% em média.
Mesmo assim, há espaço para reduzir gradualmente os juros. O cenário internacional é desinflacionário, como observa o Copom. A economia brasileira está crescendo pouco e tem capacidade ociosa. Se a política fiscal continuar disciplinada, gerando superávits primários expressivos, o BC poderá persistir na sua política de trazer os juros para níveis mais civilizados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário