VALOR ECONÔMICO - 16/02/12
A administração do presidente Alexandre Tombini tem tudo para entrar na história como aquela que ousou desafiar o pensamento monolítico sobre as supostas ações do Banco Central (BC) que até então predominavam no mercado financeiro brasileiro.
Como parte do arsenal de "surpresas" que vez por outra são introduzidas nas atas e relatórios do BC, Tombini lançou ao mercado - alguns, diriam, às feras - a árdua tarefa de definir a taxa de juro real neutra da economia. Árdua e impossível, o que leva a imaginar que a atual administração do BC vale-se cada vez mais da sua prerrogativa de autoridade monetária para guiar as expectativas relativas aos juros básicos em direção a patamares mais baixos. Pela primeira vez em muitos anos, o BC não se deixa guiar pelo mercado. Tem trabalhado para impor uma mudança no paradigma que, apesar dos resultados do Plano Real, caracteriza-se por imputar a taxas de juros absurdamente elevadas, a função divina de manter a estabilidade de preços no país.
A dificuldade na definição da taxa neutra de juros - ou taxa natural ou taxa de equilíbrio - é facilmente observável pela gritante divergência de opiniões que tem sido captada pela mídia junto aos analistas de bancos e outras instituições. E o Banco Central? Será que sabe em que ponto encontra-se a taxa de juro real neutra?
Atual administração do Banco Central ousou desafiar o pensamento monolítico sobre as ações do banco
O tema sempre levanta controvérsias, menos pela fundamentação da sua importância e mais pelas complicações em definir uma taxa imaginária, não observável nem a curto e nem a médio prazo. A ideia do juro neutro, que ganhou terreno nos anos 90, é tão antiga quanto a era em que o padrão-ouro ainda primava como a principal referência de intercâmbio entre as diferentes moedas. Foi motivada pelos escritos de Knut Wicksell, um economista sueco (1851-1926) que já em 1898 chamava a atenção para o papel fundamental da taxa de juros como instrumento de controle monetário. Mas não apenas isso: sua grande contribuição está na elaboração do conceito da taxa de juros neutra.
"Existe uma certa taxa de juros dos empréstimos bancários que é neutra com relação aos preços das commodities e tende a não aumentá-los e nem a baixá-los. Necessariamente, é a mesma taxa de juros que seria determinada pela oferta e pela demanda se nenhum uso foi feito do dinheiro e se todos os empréstimos fossem efetuados sob a forma de bens de capital. Isso é o mesmo que descrevê-la como valor corrente da taxa de juros natural do capital", escreveu Wicksell, no fim do século XIX.
Significa supor o funcionamento de uma economia em plena capacidade e que, a esse nível de atividade, a demanda estaria plenamente satisfeita, sem pressões para mais ou para menos no nível dos preços. Como se pode facilmente perceber, a hipótese não pode ser comprovada, apenas inferida. O próprio Wicksell em "paper" que apresentou em 1907, sob o título "The Influence of the Rate of Interest on Prices" (A Influência da Taxa de Juros nos Preços), destaca o caráter abstrato da sua tese - ver www.econlib.org/library/Essays/wcksInt1.html
Na década de 90, com o abandono definitivo do regime das metas monetárias e sua substituição pela meta de inflação, a taxa de juros ganhou extrema relevância como o principal instrumento de controle do comportamento dos preços. A tese de Wicksell foi revisitada e muito tem sido escrito desde então sobre taxa de juros neutra.
Em 1998, Alan Blinder, ex-vice-presidente do Fed (o banco central dos Estados Unidos), lançou um pequeno livro sobre questões monetárias, publicado no Brasil pela Editora 34 sob o título "Bancos Centrais: Teoria e Prática". Nele, Blinder (pág. 53) tenta definir o conceito de taxa de juros real neutra. "Em qualquer momento, dados os determinantes da demanda agregada - incluindo a política fiscal, a taxa de juros e as propensões de consumo dos consumidores e investidores - a economia tem uma curva IS (I de investimento e S de poupança - saving em inglês) de estado estacionário. Com isso quero dizer a curva IS que irá prevalecer quando as defasagens tiverem sido superadas e contanto que todos os choques aleatórios sejam zero", escreve ele, destacando que a taxa de juro real neutra não é um número fixo, é difícil de estimar e impossível de saber com precisão. Trata-se de um conceito operacional, melhor apurado ex-post, como média de um longo período histórico. Diante das dificuldades, Blinder sugere que os bancos centrais estimem a taxa de juros real neutra regularmente em termos de uma faixa de taxas (e não de pontos específicos) e usem esta estimativa como o ponto zero da política monetária.
Mas, atenção, para lá das limitações de mensuração das diferentes variáveis econômicas que influenciam a neutralidade e que podem induzir a erros, é importante reter que o juro neutro, mesmo que hipotético, tem a função de orientar os bancos centrais nos ajustes da taxa nominal de juros. Portanto, equívocos na definição da taxa neutra podem redundar tanto em altas desnecessárias quanto em baixas perigosamente inflacionárias da taxa nominal de juros.
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