O ESTADÃO - 28/02/12
Ao provocar os analistas de mercado a divulgarem suas hipóteses para as chamadas "taxas neutras" macroeconômicas, o Banco Central colheu a indicação de que as próprias premissas são, no momento, mais benignas do que as do mercado. Ainda que praticamente metade dos analistas considere que essas taxas possam recuar nos próximos anos, a continuidade do processo de redução dos juros básicos, como quer o BC, é desaconselhada pelos economistas consultados.
Há, no entanto, sinais suficientes de que o BC continuará o movimento de corte nos juros básicos na reunião do Comitê de Política Monetária daqui a uma semana e, possivelmente, também na de abril. O próprio Boletim Focus, que divulga as projeções desses mesmos analistas, registra a previsão de que a taxa básica de juros chegará ao fim de 2012 em 9,5% ao ano.
Taxas neutras - ou de equilíbrio, ou ainda taxas naturais - são aquelas que, de acordo com as definições dos manuais-padrão de economia, permitem o máximo de crescimento econômico sem produzir pressões inflacionárias. Mas também poderiam ser descritas como aquelas que, a cada período histórico, são surradas pela realidade.
As tentativas de encontrar "taxas naturais" se sustentam na utopia, alimentada por um tipo de pensamento econômico, de que não só a economia consolidou, ao longo da História, status de ciência, mas também pode almejar um lugar entre as ciências naturais. Há, sem dúvida, imensas divergências a respeito.
Juros,emprego, gastos públicos, para quase tudo é possível estabelecer, segundo uma certa crença, o nível máximo (ou, conforme o caso, mínimo) a que se pode esticar a corda sem liberar pressões inflacionárias. Mas o índice de êxito, quando o conceito teórico é aplicado na prática, numa avaliação benevolente, pode ser classificado como baixo.
Da "curva de Philips", de fins dos anos 50, que visava determinar o nível máximo de emprego que não pressionaria a inflação, ao"impulso fiscal", da década de 90, cuja pretensão é estabelecer até que ponto os gastos públicos podem crescer sem promover inflação, lá se vão mais de 50 anos de experimentos sucessivamente descredenciados pelos fatos. O problema, até aqui insolúvel, é que nenhum desses índices pode ser diretamente observado ou mensurado. Vivem de hipóteses.
Chama a atenção o denodo com que, a cada revés, tenta-se encontrar uma nova saída convincente para as taxas naturais. A "curva de Philips", que relaciona inversamente inflação e emprego, por exemplo, teve seus momentos de glória, mas apanhou feio com a estagflação americana dos anos 70-quando desemprego e inflação subiram juntos - e implodiu nos anos 80 - quando, nos Estados Unidos, em período de altos ganhos de produtividade, o desemprego manteve-se abaixo da taxa neutra sem provocar inflação.
Descobriu-se então que a coisa não funcionava bem no curto prazo. E assim a "curva de Philips" abriu caminho para a "Nairu" (taxa de desemprego que não acelera a inflação, na sigla em inglês), que já vinha sendo gestada por Milton Friedman e Edmund Phelps, dois laureados com o Prêmio Nobel, desde fins dos anos 60.
A "Nairu" está na base do conceito atual mais amplo de "produto potencial", que se traduz pelo nível de utilização da capacidade instalada que não produz inflação. Hoje tão em voga também no debate das políticas econômicas no Brasil, esse é outro conceito que vive às turras com a realidade.
Desde pelo menos 2004, a economia brasileira cresce acima do "produto potencial" geralmente aceito, sem descontrole inflacionário. Correndo atrás do prejuízo, os analistas, nesse período, elevaram o "produto potencial", sucessivamente, de 2,5% para 3,5% e depois para 4,5%. No momento, as hipóteses convergem para 5% e até mesmo 5,5%.
A amplitude dos achados para a taxa real neutra de juros e para a "Nairu" (taxa neutra de desemprego), na pesquisado BC com os analistas,basta para demonstrar a fragilidade da aplicação prática dos conceitos. No caso dos juros, a mediana ficou em 5,5%, mas a taxa variou de 3,8% a 7,4%. No caso do desemprego, com mediana em 6,5%, a variação foi de 4,4% a 8%. Com quem ficar?
A moral dessa história toda é que as taxas naturais são úteis como ferramentas de referência, só que não deveriam ser tomadas como dogmas na definição e na aplicação de políticas. Elas dependem dos movimentos do "produto potencial" e este não é mensurável antes que o "potencial" se concretize. Qualquer um tem o direito de tentar antecipar esses movimentos, mas todos deveriam estar conscientes de que o exercício não passa de uma espécie de cabala econômica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário