O GLOBO - 07/01/12
Oministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, destinou 90% das verbas de 2011 contra enchentes para o estado de Pernambuco - por acaso, sua terra natal e base política. Tudo absolutamente dentro da normalidade. Tanto que a presidente Dilma foi assinar pessoalmente, em solo pernambucano, a autorização para as obras que consumiram a maior parte desses recursos. Aí surgiu um problema inesperado: o assunto saiu no jornal.
Entre quatro paredes, o governo Dilma funciona muito bem. Mas, quando aparece a imprensa com essa mania de contar as coisas para todo mundo, é um Deus nos acuda. Na correria para oferecer alguma coisa aos curiosos, pelo menos como tira-gosto, surge a primeira explicação do Ministério: Pernambuco não foi privilegiado. Os outros estados receberam verbas contra enchentes de outros ministérios.
Na pressa de sempre, os jornalistas não prestaram atenção nisso: com tantos estados recebendo verbas de tantos ministérios, o ministro da Integração Nacional achou melhor integrar um estado só. Questão de foco. (Ainda bem que a opinião pública no Brasil morreu. Senão, uma explicação dessas seria um escândalo.)
Como se sabe, Dilma Rousseff não tolera malfeitos. Pelo menos os que saem no jornal. Por isso é que, quatro meses depois de dar uma força ao companheiro Bezerra, indo ao seu território e derramando lá quase todo o orçamento da pasta, a presidente indignou-se, vestiu o uniforme da faxina e botou para quebrar: interveio no Ministério da Integração, cassando sua autonomia para liberação de verbas.
Ou seja: Dilma moralizou a si mesma.
Esse inusitado sistema de autocorregedoria seria perfeito se a moralização não tivesse prazo de validade (equivalente à duração das manchetes). Mas não se pode querer tudo.
O companheiro Bezerra pode ficar tranquilo. Basta dar um Google no caso Palocci. Em junho, após a descoberta de que arrecadou R$20 milhões como consultor chapa-branca, o ministro da Casa Civil caiu em desgraça. Em dezembro, Dilma declarou que Palocci saiu do governo porque quis. Se a moral nesse caso durou seis meses, na Operação Pernambuco não dura seis semanas.
Traduzindo para o idioma dos companheiros: o caso não há de atrapalhar a candidatura do ministro a prefeito de Recife - capital do estado que, na sua gestão, passou a representar 90% do Brasil.
Se mesmo assim ele ficar receoso, vale um passeio na Esplanada até o MEC. Ali Bezerra terá certeza de que está preocupado à toa. Basta contemplar por cinco minutos a desinibição do colega Fernando Haddad, que depois de levar os estudantes brasileiros à loucura por três anos seguidos, com as já tradicionais fraudes do Enem, é candidatíssimo a prefeito da maior cidade do país. Se um cidadão que não consegue organizar uma prova escolar se habilita a gerir a cidade de São Paulo, um amante furtivo de Pernambuco não tem por que se encabular.
A ministra que tentou censurar o comercial de Gisele Bündchen de roupas íntimas também é candidata a prefeita. Seu grito feminista, pelo visto, era eleitoral. Os companheiros só pensam naquilo.
O ano que passou foi trabalhoso para a presidente Dilma. Não é fácil administrar tantos ministros candidatos, ministros consultores, ministros patronos de ONGs e de empresas privadas. Fora um slogan novo aqui, um programa reciclado ali, não deu tempo para mais nada. Mas valeu a pena. O Brasil foi bonzinho, e Dilma pôde até tentar salvar os parceiros delinquentes. Cada Orlando, cada Rossi, cada Lupi apodreceu em público de mãos dadas com a presidente. Ela só largava quando o próprio cadáver pedia arrego. Aí o público aplaudia a faxina. Contando, ninguém acredita.
Mas é verdade, tanto que Dilma terminou 2011 com aprovação superior à de Lula em seu primeiro ano de governo. E com o aval da sociedade para continuar gerindo a catedral do fisiologismo - que abriga, entre outros, o cadáver ambulante do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel.
Essa mão, a presidente só larga se for para salvar sua própria cabeça. Pimentel é mais um monstro da consultoria: arrecadou R$2 milhões em dois anos, com serviços diferenciados que ninguém sabe dizer quais foram. O que se sabe é que Pimentel, enquanto economista, é um grande amigo de Dilma. E uma amizade dessas não tem preço.
Assim caminha o governo popular S.A., o melhor negócio do país. Arrecadação beirando R$1 trilhão, taxa de investimento minguando para 2,5% do PIB, e uma montanha de dinheiro para gastar com a máquina, segundo os critérios conhecidos - devidamente aprovados pelo povo, como mostram as pesquisas. O negócio é tão seguro que Fernando Bezerra ficou à vontade para exclamar: "Pernambuco não pode ser discriminado por ser o estado do ministro!"
Não discriminem Pernambuco. Não persigam os Fernandos. Digam ao Ibope que estão adorando o governo Dilma. E que irão gostar mais ainda quando ele começar.
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