REVISTA ÉPOCA
Não basta desmamar Bezerra. É atroz a prática de cada ministro favorecer seu Estado, seu padrinho
Sou contra personalizar, em apenas um ministro, a tragédia anunciada das enchentes. Claro que a presidente Dilma pode aproveitar as águas de janeiro para afogar o titular da (Des)integração Nacional, Fernando Bezerra, pernambucano com muito orgulho e pouco tino para distribuição de orçamentos.
Dos rios turvos que inundam as cidades e desabrigam inocentes, uma conclusão clara podemos tirar. Está uma zona a divisão de verba da União. Não só nos ministérios da Integração ou das Cidades. Em qualquer pasta ministerial. É só investigar um pouco mais ou acontecer algum acidente que o dique se rompe e o ministro submerge.
Não invejo Dilma por ter herdado um sistema viciado e loteado, mas admiro algumas de suas ações. Em vez de fazer discursos populistas nas áreas alagadas, ela interrompeu as férias e convocou Gleisi, a xerife da Casa Civil, para ir atrás do ralo da grana. Pode chamar de intervenção branca ou loura, ou simplesmente uma ação cosmética. Mas a entrada de Gleisi balançou a confiança de Bezerra. Ele se rebelou com a aparente perda de autonomia: “Não me chame para cumprir meia tarefa”.
O ministro repete o ritual dos pré-destituídos. Derrama o choro do Bezerra desmamado: “As relações (com Dilma) estão boas como sempre estiveram”. Dá desculpas inaceitáveis: “Não se pode discriminar Pernambuco por ser o Estado do ministro”. Isso, para justificar ter dado 90% da verba federal das enchentes para sua terra natal, a mesma do governador amigo Eduardo Campos, de seu partido, o PSB. Eduardo Campos enxerga um complô de injustiças contra o ministro: “Passou a impressão que todo o recurso da Defesa Civil foi para Pernambuco. Não é verdade. Foram R$ 25 milhões de R$ 31 milhões, negociados com a presidente”. Ah, bom. Está explicado.
Rio de Janeiro e Minas Gerais não reclamaram. Dá para entender. Esses dois Estados não podem mesmo reclamar. Porque foram incompetentes e não deram o devido valor à reconstrução das áreas destruídas. Se algum crédito deve ser dado ao governador de Pernambuco, Eduardo Campos, é perseguir a presidente para aprovar a construção de barragens num Estado onde enchentes anteriores haviam atingido 80 mil pessoas, deixando 25 mil desabrigados e destruindo 300 escolas.
É incompetência que, no ano passado, R$ 500 milhões da União não tenham sido gastos para prevenir enchentes, desabamentos e deslizamentos. Vou repetir para você anotar e não esquecer: dos R$ 2,75 bilhões do Orçamento de 2011 para prevenir desastres naturais, mais de R$ 500 milhões não foram sequer tocados ou reservados pelos ministros da Integração e das Cidades. Cada ministério culpa o outro no jogo de empurra já conhecido. Tem dinheiro, mas falta competência. Falta sensibilidade. Falta compromisso. Falta o que mais? Para que serve um ministro?
Em Teresópolis e Friburgo, na serra do Rio, o que aconteceu foi mais grave. Foi crime mesmo. E não vejo nenhuma indignação do governo estadual de Sérgio Cabral com os desvios, as propinas, os roubos de autoridades municipais. O prefeito de Teresópolis foi cassado, mas não devolveu nada. Famílias desabrigadas foram abandonadas, mantidas em situação precária, de desespero ou risco de vida. E agora de novo, o corre-corre, o pedido de socorro e a promessa de milhões. Que vão parar em bolsos de quem até janeiro de 2013?
Não basta desmamar Bezerra. O buraco é bem mais profundo. É um buraco do sistema. Além de provinciana e brega, é atroz essa prática de cada ministro favorecer seu Estado, seu partido, seu padrinho.
Em 2010, o ministro da Integração Nacional era baiano, Geddel Vieira Lima – e a Bahia foi o Estado mais beneficiado pela verba federal. No Turismo, o ex-ministro Pedro Novais, conterrâneo e apadrinhado do presidente vitalício do Senado, José Sarney, assinou convênios milionários e fraudulentos para treinar agentes de turismo no Amapá. O Amapá foi o Estado que, em 2006, elegeu Sarney senador e que tem a pororoca como sua maior atração. Quem está agora no olho da pororoca é Gleisi. O povo quer explicações e providências. Não apenas o sacrifício do Bezerra.
Li na semana passada uma entrevista na revista New Scientist com o brilhante físico que decifrou os buracos negros, o britânico Stephen Hawking. Ele tem uma doença neurodegenerativa, fez 70 anos e revelou não ter conseguido até hoje entender o sexo oposto, as mulheres: “Elas são um mistério completo”.
Como lido com questões nada metafísicas, para mim o maior mistério, o maior buraco negro, é nosso político profissional. O que afinal ele busca nessa sua passagem pela Terra Brasilis?
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