O GLOBO - 08/01/12
Imagine um leitor que por algum motivo tenha parado de ler jornais por um tempo e voltado a ler nos últimos dias. A única dúvida que ele terá é por que mudou o nome do ministro. Será informado de que o ministro que privilegiou seu estado na distribuição de verbas contra desastres chama-se Fernando Bezerra e não Geddel Vieira Lima.
A explicação dos ministros para a alta concentração das verbas em seus estados é a mesma. Ambos disseram que seus redutos - a Bahia, no caso de Geddel; Pernambuco, no caso de Bezerra - receberam mais por terem preparado de forma mais eficiente os projetos a serem financiados. Igual também é a frase: "o meu estado não pode ser discriminado." Claro que não pode ser, o que o país discorda é do coincidente privilégio.
Os episódios recentes envolvendo ministros mostram que as fórmulas empregadas por eles se repetem, seja em flagrantes de clientelismo, seja em casos mais graves, de corrupção mesmo. De vez em quando, os ministros caem diante de evidências de um malfeito. Mas mais importante que a troca de ministros é implantar antídotos que impeçam a reconstrução de esquemas semelhantes. Em vez de Bahia, Pernambuco. Mas a fórmula de destinar verbas ao reduto eleitoral foi a mesma. É o que precisa ser evitado.
O pior é que cidadãos dos dois estados não podem dormir em paz apesar da abundância da verba, porque os estados não estão mais protegidos. O dinheiro não vai para a região obedecendo a alguma ordem de emergência e critérios de eficiência para proteger a população. Vai para catapultar o projeto eleitoral do ocupante do cargo. No caso de Geddel, era para preparar sua campanha ao governo do estado; fracassada, por sinal.
De diferente nos dois casos apenas a atitude do presidente. Lula negou as evidências que os números mostravam. Disse que era tudo leviandade e acusou uma suposta "exploração política". Os dados mostravam que, de 2004 a 2009, o Rio tinha recebido 0,69% das verbas e a Bahia, 40%. Dilma teria determinado agora que a liberação passe pela Casa Civil.
Políticos ou técnicos apadrinhados têm ocupado ministérios para usá-los como donatarias para suas ambições eleitorais ou como base de financiamento para seus partidos. A destinação preferencial das verbas é um caso de clientelismo, mas houve outros casos em que há mecanismos muito mais lesivos. Uma fórmula já detectada e que levou à queda de ministros é a da criação de ONGs ligadas ao partido do ministro, para transferir a elas dinheiro público, que, no fim, vai para a legenda.
Em alguns episódios passados descobriu-se que as ONGs tinham como endereço algum local desabitado e como responsável alguém que sequer sabia que seu nome era utilizado. Normalmente, segue-se um roteiro conhecido: apanhado diante da evidência, o ministro em questão dá declarações que ofendem a inteligência do distinto público. Quando suas respostas e as evidências do malfeito se acumulam, o governante derruba a pessoa do cargo. O caído some nas sombras, deixa de ser cobrado pelos seus atos e espera o esquecimento para voltar; os esquemas montados para surrupiar dinheiro público trocam de donos; e assim, o país aguarda o próximo escândalo.
Seria bom aprender com a repetição. O mau uso do dinheiro público, de tanto se reproduzir, ficou previsível. Há casos e casos, há clientelismo, corrupção, mas as fórmulas em um e outro caso estão ficando repetitivas. O governo que queira defender o bom uso do dinheiro público pode desmontar os esquemas e prevenir, em vez de demitir.
Um governo de coalizão se faz com a distribuição de algumas áreas para os partidos que dividem o poder, mas o exercício dos cargos deve ser para implantar as políticas que aquele partido defende. O cargo é espaço para execução das políticas que defenderam na formação do programa comum de governo. Se forem bem executadas, os partidos ganham musculatura eleitoral. O erro não é a divisão do poder, é o nomeado tomar posse do posto como se fosse propriedade privada.
A política brasileira entendeu errado a lógica da coalizão. O ministério ou o cargo não é propriedade do nomeado, do seu partido, da sua facção no partido, dos seus apadrinhados. Os políticos demonstram que entenderam que o dinheiro que trafega por ali tem que ter como destino preferencial a pavimentação do caminho que os levará à reeleição, em primeiro lugar, ao aumento da bancada do seu partido, em segundo.
Os relatos dos mesmos descaminhos estão cansando o eleitorado. As pessoas contemplam com fadiga os labirintos nos quais o dinheiro do seu bolso acaba desviado para outros fins que não o de melhorar o país e financiar políticas públicas. Cidadãos e cidadãs estão perigosamente se convencendo de que os políticos são todos iguais, a corrupção é indestrutível, o pagamento de impostos, uma inutilidade. Esse desalento pode ser o ovo de uma serpente que, em algum momento no futuro, conquiste seguidores para teses que ameaçam a democracia representativa.
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