sábado, dezembro 03, 2011

O telefone da Europa - GILLES LAPOUGE


O Estado de S.Paulo - 03/12/11


Há alguns anos Henry Kissinger, então secretário de Estado americano, lamentou que "a Europa não tem um número de telefone". Hoje estaria satisfeito. A Europa tem um número de telefone: o da chanceler alemã, Angela Merkel. Da Grécia a Dublin, do Fundo Monetário Internacional (FMI) à Letônia, de Washington a Roma, todos os que estão em pânico neste momento diante da perspectiva de um fracasso da zona do euro, estão vigilantes à fisionomia, os sorrisos, os trejeitos e o olhar de uma única pessoa: Angela Merkel.

E Nicolas Sarkozy? Ele vem em segundo lugar. É injusto, uma vez que o presidente francês há alguns meses vem tendo o hábito de salvar a Europa a cada 15 dias. Mas o diagnóstico aí está. Por mais que se agite, Sarkozy não tem peso na trajetória da Europa. Além disso, não há mais nada a dizer: na quinta-feira ele proferiu um grande discurso trágico, anunciado pelos seus "assessores da comunicação" como "fundador" sobre a Europa. E o que disse? Absolutamente nada. Ou melhor, disse que se encontrará na segunda-feira com a chanceler Merkel. Aliás, foi por isso que não pôde anunciar nada sobre a Europa.

Esta é uma situação inédita. Outrora era Paris que dava o tom da conversa. Depois, Berlim e Paris em conjunto. Há um ano, e para evitar o naufrágio do euro, as duas nações mais ricas do continente, França e Alemanha, assumiram o leme do navio. O duo Sarkozy-Merkel escamoteou as instituições da União Europeia em Bruxelas, assumindo as decisões e as comunicando aos demais Estados-membros, que ficaram exasperados por isso. Referências eram feitas ao "duo" franco-alemão, ao "casal franco-alemão".

Há algumas semanas, a dupla evoluiu. O duo foi substituído por uma bizarra equipe composta de um ator apenas - Angela Merkel - e um "figurante inteligente" - Nicolas Sarkozy. Quer se trate de nomear o novo presidente do Banco Central Europeu (BCE), apoiar o primeiro-ministro italiano, recorrer ao eurobônus ou lançar uma reforma dos estatutos da União Europeia e da zona do euro, a decisão cabe agora, em última instância, a Merkel.

O estranho é que Angela Merkel usa essa posição dominante para reforçar os poderes da Comissão Europeia. Nesse ponto, Sarkozy e ela se opõem.

Sarkozy, herdeiro da tradição "centralizadora" da França, se fixa nela no que chama de "método intergovernamental". Sonha com uma Europa que seria uma associação de Estados.

Angela Merkel, pelo contrário, se empenha para que a Comissão de Bruxelas, inexistente desde alguns anos, reencontre poderes infinitos, incluído aí o poder de castigar os países frívolos ou trapaceiros (em quem ela estaria pensando?).

A opção da chanceler se justifica. De fato, na Europa "intergovernamental" atual, abandonada a si mesma à medida que a Comissão de Bruxelas e seu absurdo presidente José Manuel Durão Barroso estão totalmente silenciosos, cada país tem feito o que lhe dá na cabeça, sem se incomodar com os compromissos firmados pelo Tratado de Maastricht, acumulando déficits orçamentários monstruosos e se endividando até o pescoço, conduzindo o Velho Continente para onde se encontra hoje: à beira do precipício.

Em resumo, Angela Merkel deseja uma Europa não intergovernamental e indulgente, como a de Sarkozy, mas uma Europa federal e forte, implacável, feroz, uma Europa virtuosa como uma Alemanha.

É por isso que a chanceler da Alemanha rejeita aqueles que, como Sarkozy, gostariam que o BCE, renunciando à sua autonomia em relação aos governos, pudesse fornecer aos Estados falidos recursos para poderem pagar suas dívidas, mesmo que isso possa relançar a inflação em toda a zona do euro.

E essa possibilidade, Angela Merkel, ortodoxa e austera, recusa. Mas vamos nos tranquilizar. Mesmo sem o dizer, o BCE já está empenhado nessa ajuda, mas furtivamente, fornecendo somas limitadas e em casos de extrema urgência. Mas ela aceitará que o banco tente conter a especulação, fornecendo recursos ilimitados para as nações em perigo?

Uma outra questão, mais fundamental: a Europa, para escapar das fatalidades, vai reformar seus estatutos, mudar suas regras fundamentais no sentido da "virtude", com um controle implacável por parte da Comissão Europeia dos orçamentos de cada país? É o que vamos saber na próxima segunda-feira. Por quê? Porque será o dia em que Nicolas Sarkozy e Angela Merkel se reunirão. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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